sábado, 6 de novembro de 2010

Parece água… mas não é!

Um artigo publicado pela revista Nature Communications demonstra que, para os morcegos que utilizam a ecolocalização, as superfícies lisas e polidas "são" todas superfícies de água. A figura seguinte e uma fotografia de um morcego-rato grande (Myotis myotis), uma das espécies estudadas, a beber a partir de uma superfície de água (Crédito fotográfico: Dietmar Nill).


Os resultados do estudo indicam que, se tiverem sede, os morcegos tentarão beber água a partir de fontes lisas que, a nível acústico, se comportam como fontes de água, mas que são feitas de metal, plástico ou madeira. Este comportamento é inato (ou seja “nasce” com os próprios morcegos).

O filme seguinte mostra um morcego-de-peluche (Miniopterus scheriebersi) a tentar beber água de uma superfície de metal (Crédito: Stefan Greif & Björn M. Siemers).




Pelo menos 1000 espécies de morcegos utilizam a ecolocalização para se orientarem e para se alimentar. Actualmente é bem conhecida a forma como os morcegos utilizam a ecolocalização para caçar pequenos insectos, mas não se sabe em detalhe de que forma os morcegos utilizam os seus sentidos, incluindo a ecolocalização, para identificar e/ou reconhecer pontos de referência do seu habitat.

A figura seguinte representa de forma simples como “funciona" a ecolocalização (Crédito: College of Life Science/ASU).


O morcego emite um som (sob a forma de pequenos cliques em sequência). Qualquer insecto que se encontre no caminho do som emitido reflecte parte dele, o eco, que é  ouvido pelo morcego.

Os autores do estudo, Stefan Greif e Björn M. Siemers, referem que “corpos de água” naturais, como charcos, lagoas e rios, são importantes para os morcegos não só como pontos de referência mas também como fontes de bebida (água) e locais de caça.

Charcos, lagoas ou rios têm uma importância especial no caso dos morcegos porque apresentam as únicas superfícies naturais que actuam como espelhos para os sons (ondas sonoras), incluindo os emitidos por ecolocalização. O esquema seguinte explica porquê (Crédito: Stefan Greif & Björn M. Siemers/Nature).


No esquema as setas indicam a direcção tomada pelas ondas sonoras emitidas pelo morcego e a linha azul horizontal representa a superfície da água.

Quando os sons emitidos por um morcego atingem uma superfície lisa e polida com as características acústicas da água são todos reflectidos para longe do animal. A única excepção é os sons emitidos com um ângulo de 90º em relação ao morcego (as setas pretas mais finas por debaixo do morcego). Qualquer insecto que se encontre sobre a superfície de água torna-se presa fácil para um morcego que a percorra, porque corresponde ao único eco que o morcego recebe.

A nível acústico várias superfícies horizontais podem comportar-se como uma superfície de água. A figura seguinte mostra a assinatura de eco de uma superfície de água (à esquerda). A figura mostra também o aspecto visual e a assinatura de eco da superfície do metal, da madeira e do plástico utilizados no estudo (S = sinal emitido; E = eco da superfície; G = eco da borda).

Embora estes materiais tenham cor e cheiro diferentes, a sua assinatura de eco é muito parecida (Crédito: Stefan Greif & Björn M. Siemers/Nature - adaptado).


O primeiro conjunto de experiências realizadas por Greif e Siemers apresentado no artigo envolveu 24 animais de 4 espécies (6 animais de cada), todas existentes em Portugal. Os habitats de caça das espécies de morcego escolhidas são diferentes. O morcego-de-peluche (Miniopterus scheriebersi) caça em zonas abertas, com pouco arbustos ou árvores. O morcego-de-água (Myosis daubentoni), como o nome indica, caça em lagoas, lagos ou rios. O morcego-rato grande (Myosis myosis) caça em zonas arborizadas (florestas e suas orlas). O morcego-de-ferradura grande (Rhinolophus ferrumequinum) especializou-se na caça de insectos grandes e é um “primo mais afastado" das outras três espécies.

A figura seguinte é uma fotografia de um morcego-de-água imediatamente após caçar um insecto (Crédito fotográfico: Cornwall – Batgroup).




Para as quatro espécies escolhidas os morcegoss tentaram beber a partir das superfícies lisas, mesmo após terem pousado sobre elas. Os mais persistentes foram o morcego-de-peluche e o morcego-de-água. O metal foi o material mais confundido com uma fonte de água. A madeira foi a menos confundida.

Greif e Siemers repetiram as experiências com juvenis de morcegos-lanudos (Myosis emarginatus), recolhidos com as suas mães ainda antes de aprender a voar. Quando participaram na experiência estes morcegos-lanudos nunca tinham estado perto de uma superfície de água natural, mas ainda assim tentaram beber a partir de uma superfície de metal. Isto provou que este comportamento é inato e não aprendido.

A fotografia seguinte mostra um conjunto de morcegos lanudos abrigados no canto superior de uma sala não habitada (Crédito fotográfico: Miguel Angel).


Finalmente Greif e Siemers repetiram as experiências com morcegos de outras 11 espécies (1 animal por espécie), com resultados muito semelhantes, o que parece indiciar que este comportamento (tentar beber água a partir de superfícies lisas e polidas) é generalizado.

A figura seguinte é uma fotografia de um morcego-orelhudo cinzento, uma das 11 espécies escolhidas (Crédito fotográfico: Miguel Angel).





P.S.: O artigo original encontra-se aqui. Vale a pena lê-lo com atenção: as experiências foram cuidadosamente planeadas e cada conjunto de experiência foi baseado nos resultados obtidos no conjunto de experiência anterior.

2 comentários:

  1. Muito interessante! Gostei especialmente da parte como eles utilizam a ecolocalização - em que eles emitem ruídos e depois detectam onde estão as presas, a água, o habitat através do eco que chega até eles. ;D

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  2. Ana:

    Os morcegos não são os únicos animais que “vêm” com o som. Os golfinhos e a generalidade dos outros cetáceos também o fazem.

    Também nós, humanos, utilizamos o som para "ver". As ecografias são usadas como método de diagnóstico de doenças. E permitem monitorizar o desenvolvimento dos bebés antes de nascerem.

    Clicando no marcador “Sonar” encontra o texto que escrevi sobre a utilização da ecolocalização pelos golfinhos e a forma como este sistema é influenciado pelo pH da água do mar.

    Bom Natal!

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