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domingo, 21 de agosto de 2011

Porque não vingou o parafuso telúrico (ou caracol de Chancourtois em português de Portugal)?

(Esta é a segunda de duas partes de um artigo sobre o parafuso telúrico também chamado caracol de Chancourtois. A primeira parte está aqui)

O parafuso telúrico, sistema criado por Chancourtois para a ordenação dos elementos químicos, foi em geral ignorado pela comunidade científica da época, em particular os químicos. Vários factos contribuíram para isso:

(I) Chancourtois não era químico mas sim geólogo. Não tinha uma formação de base em Química e para a construção do parafuso telúrico baseou-se muito em conceitos de Geologia, tais como a constituição química de minerais e rochas. A formação de Chancourtois como geólogo também influenciou a escolha do cilindro (sólido geométrico) como bases de representação do seu modelo assim como o próprio nome “parafuso telúrico”, de tellos, o termo grego para “terra” (como referido na primeira parte).

(II) Chancourtois não fez uma divulgação generalizada do seu modelo, o parafuso telúrico, entre a comunidade científica (e entre os químicos em particular), principalmente fora de França. Apenas publicou artigos em revistas francesas, não publicou nenhum artigo em revistas de Química e não defendeu a sua prioridade na descoberta da periodicidade dos elementos químicos perante Dmitri Mendeleev (1834-1907) ou Julius Lothar Meyer (1830-1895).

(III) O modelo do parafuso telúrico foi apresentado na revista Comptes Rendus, da Académie des Sciences, com a transcrição do discurso feito por Chancourtois perante elementos da Académie em 1862. O texto é de difícil compreensão e cheio de referências de Geologia. Pior ainda, o texto não é acompanhado por um esquema do parafuso telúrico (que poderia ajudar na compreensão do texto) porque o esquema foi considerado demasiado complexo pelo editor. Chancourtois publicou o esquema algum tempo depois, sobre a forma de um panfleto que distribuiu entre amigos e conhecidos, pelo que poucos tiveram acesso directo ao mesmo. Em baixo a primeira página do artigo de Chancourtois na revista Comptes Rendus.


(IV) Chancoutois introduziu no parafuso telúrico componentes que não na época já não eram considerados elementos químicos, como óxidos e cianetos, amónia e outros radicais.




Notas:

(1) Não me foi possível encontrar na internet nenhuma figura completa do esquema original de Chancourtois para o parafuso telúrico. Mesmo a figura que apresento (e que retirei da Wikipédia, fonte inesgotável) corresponde a menos da metade superior do esquema (o próprio telúrio, elemento químico que dá nome ao esquema, não aparece nesta figura).


(2) Encontrei na internet algumas representações menos correctas do parafuso telúrico apresentado por Chancourtois. Em alguns casos o cloro (Cl) é apresentado de acordo com o valor de massa atómica actual (35,5) e não o valor utilizado por Chancourtois de 35, como no pormenor em baixo.


Noutros casos a “rosca” do parafuso telúrico aparece de forma invertida, como nos dois exemplos em baixo.

Um parafuso químico muito geológico

(Esta é a primeira de duas partes de um artigo sobre o parafuso telúrico também chamado caracol de Chancourtois. A segunda parte está aqui)

Alexandre-Emile Béguyer de Chancourtois (1820-1886) foi o primeiro cientista a apresentar uma representação dos elementos químicos, ordenada segundo a sua massa atómica e propriedades físicas e químicas. Chamou-lhe parafuso telúrico, a primeira representação em 3D. Mas Chancourtois não era químico, mas sim geólogo, tendo a sua formação tido muita importância na representação que criou.


Chancourtois apresentou a sua proposta de organização dos elementos químicos a 13 de Outubro de 1862, no decorrer de uma sessão da Académie des Sciences em Paris. Era constituída por uma tabela organizada sob a forma de um cilindro dividido em 16 partes verticais iguais, baseado na massa atómica do oxigénio (massa atómica ≈ 16). Elementos químicos com uma diferença de “números característicos” de 16 apresentavam, para Chancourtois, propriedades químicas e físicas semelhantes.

Chancourtois ordenou os elementos químicos segundo a sua massa atómica, a que deu o nome de “números característicos” (nombres caracteristiques, no original). Os elementos químicos estão representados sobre uma linha descendente, da esquerda para a direita, com um ângulo de 45º em relação ao eixo vertical, como se pode ver na figura seguinte.


A organização dos elementos no parafuso telúrico permite que elementos da mesma “família” ou grupo (elementos com propriedades físicas e químicas semelhantes) apareçam em linha verticais, ordenados em ordem crescente de cima para baixo. Para Chancourtois elementos químicos com uma diferença de “números característicos” de 16 apresentavam propriedades químicas e físicas semelhantes.

Chancourtois agrupou correctamente elementos do grupo dos metais alcalinos (lítio [Li], sódio [Na] e potássio [K]), metais alcalino-terrosos (magnésio [Mg] e cálcio [Ca]) e elementos do grupo dos halogéneos (fluir [F] e cloro [Cl]). A figura seguinte apresenta a parte superior do esquema original de Chancourtois para o parafuso telúrico.

Quando Chancourtois apresentou o parafuso telúrico em 1862 existia ainda um grande debate relativo à forma correcta de determinação da massa atómica dos elementos. Chancourtois seguiu a hipótese apresentada pelo químico britânico William Prout (1785-1850), de que “a massa atómica de cada elemento químico é um múltiplo inteiro da massa atómica do hidrogénio” [massa atómica do hidrogénio ≈ 1,0]. Assim Chancourtois arredondou os valores das massas atómicas de forma a tornarem-se números inteiros. Um exemplo é o cloro (Cl), cuja massa atómica (≈ 35,5) foi arredondada para 35, de forma a ficar exactamente alinhado verticalmente com o flúor (F), de massa atómica 19 (19 + 16 = 35).


Chancourtois chamou à sua representação “vis tellurique” ou parafuso telúrico. O nome parafuso resulta da estrutura cilíndrica e da leitura em espiral, de cima para baixo. O termo telúrico refere-se ao elemento químico telúrio (Te), que ocupa o ponto central da tabela. A posição do elemento telúrio no centro da tabela parece não ter sido casual. O termo telúrio vem de tellos (o termo grego para “terra”) e Chancourtois é geólogo. O Museu Britânico de História Natural guarda um exemplar do parafuso telúrico, representado na figura seguinte (Credito fotográfico: © Science Museum/ Science & Society Picture Library).


Embora hoje seja conhecido apenas pela sua proposta de organização de elementos químicos, no seu tempo Chancoutois era um famoso geólogo, professor na área de Geologia na École des Mines em Paris, França. Foi um dos responsáveis pela cartografia do mapa geológico de França na escala 1:80 000 (função que manteve até 1875). Para além disso Chancoutois foi oficial da Legião Francesa (1856) e Chefe de Gabinete do Ministério de Argélia e das Colónias de Napoleão. Em 1880 tornou-se Inspector Geral de Minas, da divisão das regiões Norte e Oeste, cargo que reteve até à sua morte.




Notas:

(1) Em Portugal o parafuso telúrico é mais conhecido como Caracol de Chancourtois.

(2) O artigo onde Chancourtois apresenta pela primeira vez o parafuso telúrico, pode ser encontrado aqui. Referência bibliográfica: M. Beguyer de Chancourtois (1862). "Mémoire sur un classement naturel des corps simples ou radicaux appelé vis tellurique 54, 757-761". Comptes rendus.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

A morada dos deuses.

Os gregos antigos acreditavam que o monte Olimpo, sendo o monte mais alto entre todos, era a morada (digna) dos deuses. No planeta Terra a maior montanha é o Evereste (quase 9 km de altura) e existem mais 13 montanhas com mais de 8 km de altura. Várias situam-se, tal como o monte Evereste, na cordilheira dos Himalaias. Mas essas montanhas são anãs ao pé da maior montanha de Marte, com a altura de sensivelmente 3 montes Evereste. A esta montanha marciana (a maior conhecida no sistema solar) foi dado o nome de Olympus Mons, o Monte Olimpo.

O Olympus Mons situa-se próximo do equador marciano, numa região chamada planalto de Tharsis. Encontra-se acompanhado por outros três montes gigantes com mais de 10 km de altura, chamados Ascraeus Mons, Pavonius Mons e Arsia Mons. O tamanho destes gigantes é ainda mais impressionante quando se considera o tamanho total do planeta Marte, como na figura à direita. E o diâmetro de Marte é sensivelmente metade do diâmetro da Terra.



Situada na Terra, a cordilheira dos Himalaias resulta do choque das placas tectónicas asiática e indiana (chamadas assim por razões óbvias). Já o marciano Olympus Mons é de origem vulcânica. Com um diâmetro de quase 600 km e cerca de 26,4 km de altura, no centro deste enorme monte situa-se um aglomerado de cinco caldeiras, a maior das quais tem 80 km de diâmetro.

A melhor forma de avaliar o tamanho do Olympus Mons é comparando-o com algo que conhecemos bem. O Olympus Mons ocupa uma área de sensivelmente três vezes Portugal continental e a altura de três montes Evereste. Na Terra o seu cume estaria situado no meio da camada de ozono!



A imagem seguinte é da ESA (European Space Agency) e permite distinguir as caldeiras (para cada caldeira a base está ao mesmo nível). As cinco caldeiras do Olympus Mons confirmam a ocorrência de pelo menos 5 erupções vulcânicas, em diferentes alturas da vida do planeta Marte. Estas erupções são responsáveis pelo depósito de grande parte do material que constitui o monte. Vários cientistas consideram que o Olympus Mons ainda poderá ser um vulcão activo.



O cone do Olympus Mons têm um declive muito suave, entre 2% e 5%, ou seja, por cada 100 m percorridos em linha recta a partir da caldeira até à base a altitude diminui entre 2 e 5 metros. Na Terra vulcões com esta forma (ou morfologia) são chamados vulcões efusivos ou vulcões escudo, devido a sua forma. Também são referidos como vulcões com actividade de tipo hawaiano. Nestes vulcões a lava é muito fluida, podendo percorrer grandes distâncias antes de solidificar. Um exemplo de vulcões efusivos é os vulcões hawaianos. O maior destes, Mauna Loa, tem uma altura de 10 km, desde a base no fundo do oceano até ao topo (ver figura abaixo).



Existem várias razões propostas para a impossibilidade de um monte terrestre poder atingir as dimensões do Olympus Mons. Em primeiro lugar está sujeito à acção da erosão pelos elementos (ventos, chuva, cursos de água, etc…). Para além disso a acção da gravidade limita (condiciona é o termo mais correcto) a altura máxima que uma montanha pode ter. Na Terra 9 km de altura acima do nível médio das águas do mar parece ser o limite. Finalmente o facto de a crosta terrestre ser constituída por placas que se movem (segundo a teoria de tectónica de placas) limita o tempo durante o qual um vulcão é activo. O arquipélago do Hawai é um dos melhores exemplos.

Tendo em conta o tamanho do Olympus Mons em relação à dimensão de Marte poderia esperar-se a identificação deste monte utilizando um telescópio terrestre. No entanto a região de Tharsis pode ser assolada por tempestades de poeira e por nuvens que diminuem consideravelmente a visibilidade. A dimensão do Olympus Mons só foi verificada pela sonda Mariner 9 em 1972.



P.S.: As imagem apresentadas neste poste foram obtidas em missões patrocinadas pela NASA (National Aeronautics and Space Administration) e pela ESA (European Space Agency). A excepção é a imagem do Mauna Loa (origem: wikipedia - Gordon Joly).

A Google tem um mapa de Marte, de acesso gratuito. A fotografia abaixo é de lá!