domingo, 29 de agosto de 2010

Subir como uma osga

A equipa dirigida pelo engenheiro mecânico Mark Cutkosky está a desenvolver um pequeno robot chamado Stickybot, capaz de subir paredes, incluindo superfícies de vidro, metal polido ou pintado e madeira polida. Para poder fazer isto a equipa de Mark Cutkosky baseou-se no exemplo das osgas.

Figura de uma osga moura (Tarentola mauritaica), comum em Portugal (fonte: Lars Bergendorf - adaptado).

As osgas não são umas lagartixas quaisquer. Para além da fisionomia (a lagartixa é mais elegante, a osga mais cheinha) a osga destaca-se por ser capaz de subir qualquer superfície. O segredo está nos pés.


A figura anterior é do pé de uma osga (fonte: wikipedia). As pequenas faixas com a forma de lâminas nos dedos dos pés da osga têm o nome de lamellae. Cada lamella (singular de lamellae) é constituída por milhões de pequenos filamentos chamados setae, que se podem ver em baixo, na figura à esquerda. A figura ao centro é de uma seta (singular de setae). A extremidade de cada seta divide-se em centenas de filamentos ainda mais pequenos, chamados spatulae (figura à direita). Fonte: PNAS/Hansen/Autumn - adaptado.


Os spatulae têm dimensões tão reduzidas que conseguem estabelecer ligações de van der Waals com as moléculas das superfícies que as osgas “pisam”, independentemente da inclinação. Este sistema é tão eficiente que uma osga consegue sustentar todo o seu peso numa só pata. E é assim que as osgas escalam paredes verticais.

Uma das coisas boas do sistema de adesão à superfície utilizado pela osga é que é um sistema de adesão friccional, ou seja as osgas não escorregam devido à força de atrito (que resulta das tais ligações de van der Waals). E esta força é “direccional” ou seja só funciona num sentido. Isto permite à osga “desencaixar” facilmente a pata, bastando para tal apenas exercer força no sentido contrário.

Para colocar o robot Stickybot a escalar uma parede de vidro como uma osga, a equipa de Mark Cutkosky desenvolveu um adesivo com um sistema de dupla camada semelhante às lamellae e às setae das osgas. O adesivo, feito de borracha de silicone, é resistente e reutilizável, não deixando resíduos ou fazendo estrados nas superfícies por onde passa.


Fotografia do Stickybot a subir uma superfície de vidro sob o olhar atento de Paul Day and Alan Asbeck, da equipa de Cutkosky. Fonte: L.A. Cícero - adaptado)

Por ora o Stickybot só consegue subir. Não consegue mudar de direcção e descer. No entanto a equipa de Cutkosky está já a tentar ultrapassar esse obstáculo, seguindo mais uma vez o exemplo das osgas: articulações nos tornozelos (ligação entre a perna e o pé).

A equipa de Cutkosky tem um projecto mais ambicioso: adaptar este sistema ao uso por pessoas…


P.S: As osgas não conseguem subir todas as superfícies verticais. Por exemplo as osgas não conseguem superfícies de teflon porque este material não forma ligações de van der Waals.

As ligações de van der Waals são ligações intermoleculares. Formam-se entre moléculas que comportam como dipolos, ou seja que têm uma zona mais positiva e uma zona mais negativa. Tal como acontece com os ímanes, as extremidades de dois dipolos atraem-se se tiverem carga contrária. A Infopédia tem mais informação.



Nota: (1) A revista Apllied Physics Letters apresenta um artigo com as características do adesivo desenvolvido pela equipa de Cutkosky.

Nota: (2) Este poste baseia-se num artigo publicado pela Science Daily. O estudo que comprova que o movimento das osgas depende da formação de ligações de van der Waals encontra-se aqui.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Flutuando no Mar…

A Science publicou um estudo sobre a distribuição de resíduos de plástica no Atlântico Norte, próximo da costa leste dos Estados Unidos. O estudo baseia-se em recolhas feitas por alunos universitários ao longo de 22 anos (1986-2008) e foi apresentado por elementos da Sea Education Association (SEA), Woods Hole Oceanographic Ins titution (WHOI) e a Universidade do Havai (todas instituições norte-americanas).

As recolhas foram feitas em 6136 locais diferentes, e correspondem a mais de 61 000 pedacinhos de plástico semelhantes aos da figura seguinte. A maioria tem menos de 1 cm, pesa menos de 0,15 g e é constituída por polietileno ou polipropileno, plásticos que flutuam. As recolhas foram feitas utilizando uma rede de recolha de placton.


A figura seguinte representa um mapa da zona de recolha dos resíduos de plástico. Cada bolinha corresponde a um local de recolha diferente, e as cores das bolinhas indicam o número de pedacinhos de plástico por km2 de área. As estrelas pretas correspondem a locais de recolha com mais de 200 000 pedaços por km2.


Os resultados obtidos permitiram a elaboração de um modelo matemático que tem em consideração as correntes marítimas da região do estudo. Os resíduos de plásticos encontram-se distribuídos numa faixa de latitude de 22-38º N. A maior concentração dos resíduos de plástico encontra-se a 32º N de latitude.

Falta agora realizar estudos sobre as colónias de bactérias e outro microrganismos que possam viver nos pedaços de plástico, a influência que estas partículas de plástico possam ter para a dispersão das colónias e também a forma como estas colónias poderão influenciar a degradação do plástico. As colónias poderão alterar as características físicas dos pedaços de plástico provocando o seu afundamento.

Talvez a acção das colónias de bactérias explique um fenómeno curioso indicado no estudo. Embora a utilização e descarte de plásticos tenha aumentado nos 22 anos que durou o estudo, a concentração de resíduos de plásticos tem-se mantido constante.

Crédito fotográfico: Science

Artigo original aqui

P.S. (12 de Setembro de 2010): Num artigo da revista New Scientist, Kara Lavender (uma das autoras do estudo) refere que o sistema de recolha das amostras de plástico (rede de recolha de plâncton) poderá não ser o mais apropriado. Este sistema permite a passagem de pedaços com menos de 0,3 mm, (1,0 mm é a divisão mínima de uma régua) e só permite a recolha de pedaços que se encontrem à superfície da água. A formação de biofilmes sobre os pedaços de plástico torna-os mais densos, logo deixam de estar à superfície dos mares.

O artigo da New Scientist também apresenta este vídeo sobre o processo de recolha de amostras.

sábado, 21 de agosto de 2010

A Lua está encolhendo…

A revista Science publicou esta semana um estudo de fotografias tiradas pela sonda Lunar Reconnaissance Orbiter (LRO) que conclui que o diâmetro da Lua terá encolhido perto de 180 m (o comprimento de dois campos de futebol pequeninos). O estudo foi desenvolvido por uma equipa que conjuga investigadores de várias instituições norte-americanas e uma alemã.

O artigo baseia-se nas imagens de formações geológicas chamadas escarpas lobuladas por apresentarem a forma de um lóbulo. As escarpas lobuladas foram detectadas pela primeira vez na Lua pelas missões Apolo realizadas na década de 1970. As imagens recolhidas até agora pela LRO revelam que as escarpas lobuladas estão presentes em toda a superfície lunar.


As escarpas lobuladas são uma consequência directa de actividade tectónica resultante do arrefecimento da Lua, um processo que os cientistas pensavam ter terminado à muito tempo atrás. Durante o arrefecimento da Lua o seu volume diminuiu levando à formação de falhas inversas, formações geológicas em que uma secção da crosta é forçada a levantar-se sobre outra, formando-se uma escarpa lobular (ver figura à esquerda). Crédito: Universidade do Estado de Arizona.

As escarpas lobulares têm uma forma semicircular ou lobular, dai o nome. Podem ter vários km de comprimento mas a sua altura não ultrapassa os 300 m, não sendo por isso detectáveis utilizando os meios disponíveis até agora.


A imagem em cima revela uma escarpa lobulada contendo várias pequenas crateras. Algumas destas crateras foram deformadas pela escarpas, como se pode ver de forma mais detalhada no pormenor em cima à esquerda. Crédito: NASA/Goddard/Universidade do Estado de Arizona/Smithsonian.

As crateras deformadas revelam que as escarpas se formaram após a formação da cratera. Mas as crateras de pequena dimensão têm em média uma “vida curta”, desaparecendo sob crateras maiores formadas pelo impacto de meteoritos maiores. Assim as escarpas serão ainda mais recentes que as crateras deformadas.

Esta conclusão é reforçada pelo facto de não se terem encontrado crateras de grandes dimensões nas escarpas fotografadas até agora e porque estas escarpas não apresentam sinais significativos de erosão.

Os autores do artigo concluíram que as escarpas lobuladas agora observadas não terão mais de 1 bilião de anos (a Lua tem pouco mais de 4 biliões de anos), podendo se ter formado à menos de 100 milhares de anos. Ao contrário do que se pensava, o processo de arrefecimento da Lua poderá ainda estar em curso e a Lua poderá encolher mais um bocadinho. John Keller, um dos autores do artigo da Science, considera que “[o conhecimento] das características geológicas da Lua [é] uma ferramenta poderosa para a compensação da história da Lua e do sistema solar”. Keller é responsável pelo projecto do LRO no Goddard Space Fight Center da NASA.

Os artigos (em inglês) da NASA, de onde foram recolhidas as figuras apresentadas neste poste, e da National Geographic apresentam informação extra interessante.


P.S.: (1) A Lua não é o único astro do sistema solar onde foram encontradas escarpas lobuladas. Estas também foram detectadas em Mercúrio, Marte e também na Terra.

P.S.: (2) O Lunar Reconnaissance Orbiter foi lançado a 18 de Junho de 2009 e entrou em orbita em torno da Lua a 23 de Junho. Depois de mapear de forma cuidada a Lua o LRO irá para Marte.


Nota: Os artigos em português que consultei referem que a Lua “encolheu” apenas 100 m. No entanto no artigo original publicado pela NASA Thomas Watters refere ”Baseado no tamanho das escarpas, estimamos que a distância entre o centro da Lua e a sua superfície encolheu perto de 300 pés (~180 m)” [no original, "Based on the size of the scarps, we estimate the distance between the moon's center and its surface shrank by about 300 feet"].

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Um ciclo solar mais longo

Um estudo publicado pela revista Geophysical Research Letters por um grupo de investigadores do National Center for Atmospheric Research (NCAR) apresenta uma explicação para a duração anormalmente longa do último ciclo solar. Segundo este estudo, é consequência de, neste ciclo, as correntes de convecção internas do Sol se terem estendido desde o equador até aos pólos e não do equador até a uma latitude de 60º, como aconteceu nos dois ciclos anteriores.

Tal como na Terra, formam-se correntes de convecção no interior do Sol. Estas correntes transportam o plasma sob a superfície solar do equador na direcção dos pólos, e depois de volta ao equador numa zona mais interior do Sol, gerando e mantendo um fluxo magnético nesta região.

O esquema em cima apresenta as duas situações possíveis. No decorrer de um ciclo solar normal (à esquerda) estabelecem-se duas correntes, uma entre o equador e uma latitude de 60 º e outra dessa latitude até aos pólos. Segundo o estudo agora publicado estabeleceu-se apenas uma corrente entre o equador e os pólos no decorrer do último ciclo solar (à direita). Esquema cedido por UCAR.

Sabe-se actualmente que as correntes de convecção no interior do Sol estão directamente relacionadas com o ciclo solar. Cada ciclo solar dura em média 11 anos. Inicia-se com um aumento do número de manchas solares até ser atingido um pico, chamado máximo solar. Segue-se um decréscimo do número de manchas solares até ser atingido um mínimo (mínimo solar), altura em que termina um ciclo e se inicia outro.

Em cima encontra-se uma fotografia do Sol. Cada “ponto preto” é uma mancha solar. As maiores destas manchas têm um diâmetro próximo de “20 Terras”. (Crédito: ESA/NASA).

O último ciclo solar completo, que terá terminado em 2009, teve uma duração de perto de 12 anos. Esta duração “extra” tinha sido prevista utilizando um modelo gerado em computador chamado Predictive Flux-transport Dynamo Model criado por elementos da NCAR. Este modelo tem em consideração vários factores que poderão influenciar a duração de um ciclo solar, tendo sido utilizado no novo estudo para demonstrar a influencia da distância a percorrer pelo plasma na corrente de convecção no interior do Sol na duração de um ciclo solar.


P.S.: Muitos investigadores que estudam o Sol consideram que poder determinar a duração e outras características de um futuro ciclo solar poderá tornar mais fácil prever, com até duas décadas de avanço, os períodos de maior actividade solar. Este facto é muito importante porque, próximos de manchas solares, ocorre outro fenómeno muito importante, denominado flares.

Fotografia de um flare tirada pela sonda SOHO a 4 de Novembro de 2003 revela (em cor falsa) os fluxos de gás quente na superfície do Sol. A zona branca brilhante à direita é um flare. (Crédito: ESA/NASA)

Os flares são grandes explosões, que podem durar entre minutos a horas, em que ocorre a libertação de radiação muito energética e também de partículas com carga (protões, electrões, iões de hélio) do interior do Sol, o chamado vento solar. O vento solar cria variações na magnetosfera terrestre (é responsável pela ocorrência de auroras boreal). No período de máximo solar de um ciclo solar os flares podem ser muito intensos e o vento solar resultante pode criar problemas muito graves a nível das comunicações terrestres. Pode até tornar (todos) os satélites inoperacionais.


Esquema representando o Sol (à esquerda) e a Terra (à direita). As manchas laranjas representam o vento solar e as linhas azuis correspondem à magnetosfera terrestre. Esquema feito por Steele Hill (NASA) para a SOHO.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Como construir uma bicicleta de bambu.

(artigo original no site da Universidade de Bóston)

A Universidade de Bóston apresentou recentemente no seu site um projecto diferente, realizado por Michael Mann, um aluno de doutoramento do seu Departamento de Geografia e Meio-Ambiente. Uma bicicleta com um quadro todo feito em bambu.

No vídeo que acompanha o artigo de Leslie Friday, Mann refere que, mais do que construir uma alternativa ecológica, o importante é chamar a atenção para a relevante questão da Sustentabilidade, e as diferentes acções que cada pessoa pode fazer para contribuir para a manutenção do meio-ambiente e a diminuição de desperdício.




Contribuindo ou não para o debate sobre a Sustentabilidade, a bicicleta ficou bonita e, segundo o dono, funcional. Apenas o quadro é feito de material reciclado, várias canas de bambo unidas com fios de cânhamo e cola epoxy (ver fotografia à esquerda). O material utilizado na construção da bicicleta terá custado 800 dólares (americanos).

A parte mais difícil da construção foi o alinhamento das canas de bambo que constituem o quadro. Mann teve de construir uma armação em PVC. A parte mais morosa (e poeirenta) foi lixar todas as canas de bambu. Mann referiu que, não fosse a sua lixadeira mecânica, “teria de lixar [canas] até aos 90 [anos]”.

Uma pesquisa breve no Google comprova que esta não é a primeira bicicleta feita com bambu, ou outros materiais recicláveis… mas é bem janota!


O construtor da bicicleta tem o seu próprio blog, Building a bamboo bike (http://bamboobike.wordpress.com/)

Créditos fotográficos (e vídeo): Robin Berghaus.