sábado, 26 de setembro de 2009

Carbono datado.

Um dos métodos mais precisos para determinar a idade de um objecto antigo é a datação radioactiva, determinar a sua idade contando o número de átomos radioactivos de um certo elemento químico.

Para determinar a idade do objecto, que é cientificamente chamado amostra, é necessário escolher primeiro qual o elemento químico a analisar. Esta escolha depende das características da amostra. Se a amostra for um fóssil e tiver menos de 40 000 anos a escolha certa é a datação por radiocarbono (a contagem de átomos de carbono-14).

Tal como outros elementos, o carbono apresenta mais de um isótopo (átomos com o mesmo número de protões mas com um diferente número de neutrões). O carbono-14 é um isótopo que não possui a relação certa de protões e neutrões, tornando o seu núcleo instável e com tendência a desintegrar-se. O tempo médio de vida do carbono-14 é de 5 730 anos, o que quer dizer que por cada 5 730 anos a quantidade de carbono-14 presente numa amostra reduz-se a metade.

O que torna o carbono-14 um isótopo tão apetecível para a datação de fósseis é o facto de existir uma produção constante deste isótopo na atmosfera superior da Terra. A todo o momento a parte superior da atmosfera terrestre é bombardeada por raios cósmicos, ocorrendo a formação de neutrões muito energéticos. Quando estes neutrões colidem com átomos de azoto formam-se átomos de carbono-14. A quantidade de carbono-14 formada é considerável porque o azoto é o elemento mais abundante na atmosfera.

Uma vez formado, o carbono-14 reage com o oxigénio presente na atmosfera formando dióxido de carbono, que é absorvido pelas plantas e outros seres vivos que conseguem fazer fotossíntese. Estes seres vivos são comidos por outros e desta forma o carbono-14 dissemina-se por toda a cadeia alimentar. Ou seja todos os seres vivos possuem carbono-14.

A quantidade de carbono-14 nos seres vivos mantém-se constante enquanto este conseguir fazer fotossíntese e/ou conseguir alimentar-se. Mas quando o ser vivo morre deixa de absorver carbono-14 e a quantidade deste isótopo vai decrescendo à medida que os anos passam. É possível determinar a forma como o nível de carbono-14 presente numa amostra vai decrescendo com o tempo. Comparando a relação entre a quantidade de carbono-14 e a quantidade de carbono-12 (que é um isótopo estável) presente na amostra e comparando com a relação entre estes dois isótopos para seres vivos, é possível calcular a idade da amostra.

Claro que nem tudo são rosas! A utilização deste método só é possível se considerar-nos que a quantidade de carbono-14 não tem variado ao longo do tempo, o que já se provou não ser verdade! E sabe-se as plantas não absorvem o dióxido de carbono todas da mesma forma. Mas os estudos de datação por radiocarbono utilizando amostras cuja idade foi determinada de forma independente (ou seja, utilizando outros métodos) provaram que este processo fornece resultados nos quais podemos confiar.

Nota: este artigo (português) e este artigo (inglês) apresentam, de forma mais detalhada, informações sobre a datação por radiocarbono.

sábado, 19 de setembro de 2009

A camada de ozono não se está a rir!

O óxido nitroso recebeu o cognome de gás hilariante, devido ao seu efeito de descontracção sobre a pessoa que o usa. Este gás tornou-se famoso pela sua “participação” no filme Velocidade Furiosa (no original The fast and the furious). Neste filme de carros de corrida de rua é utilizada uma botija deste gás quando que se pretende obter ainda maior velocidade na estrada.

O óxido nitroso é também um conhecido gás de efeito de estufa. Mas poucos estão a par do papel do óxido nitroso como destruidor da camada de ozono. Esta situação irá mudar em breve.

Os CFCs (clorofluorcabonetos) são considerados responsáveis pelo aumento do buraco de ozono desde que este foi descoberto. Em 1971 foi acordado o protocolo de Montreal, tendo vários países comprometido-se a proibir a utilização de CFCs. Como os CFCs não são produzidos naturalmente a implementação deste protocolo contribuiu de forma decisiva para a redução da emissão de CFCs para a atmosfera.

Com a diminuição do nível de CFCs na estratosfera (zona da atmosfera onde se situa a camada de ozono), a actuação de outros destruidores da camada de ozono esta a tornar-se mais evidente. E o mais importante parece ser o óxido nitroso.

Na verdade o óxido nitroso não é directamente responsável pela destruição da camada de ozono. Mas ao reagir com o oxigénio presente na estratosfera forma-se óxido nítrico, que ataca o ozono. E, paradoxalmente, a diminuição do nível de CFCs torna a acção do óxido nitroso mais perniciosa, porque, quando em conjunto, estas substâncias “cancelam” a acção uma da outra.

Ao contrário do que acontece com os CFCs, o óxido nitroso pode ser produzido e libertado por processos naturais (que em geral envolvem a acção de bactérias). Mas actualmente a libertação de óxido nitroso devido à actuação humana corresponde a quase 40% do total, valor com tendência a aumentar. Contrariar esta tendência será difícil, tendo em conta que a libertação de óxido nitroso resulta (entre outros) da queima de combustíveis fosseis (carvão, petróleo e derivados) e da actividade agrícola.


Nota: para saber mais sobre o óxido nitroso e compreender melhor o seu papel na destruição da camada de ozono pode consultar este artigo da revista Science.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Corvos astutos, nozes e carros.

Reza a lenda que os restos mortais de São Vicente foram encontrados ao lago do cabo que hoje tem o seu nome, perto de Sagres, sudoeste de Portugal, protegidos por dois corvos. D. Afonso Henriques ordenou que S. Vicente fosse trazido para Lisboa por barco e durante a viagem estiveram sempre presentes dois corvos. S. Vicente é o padroeiro de Lisboa, mas actualmente é raro avistar corvos na capital, embora por vezes seja possível observar um par em Belém.

O que pouca vezes se vê referido é que os corvos são animais consideravelmente inteligentes. Os corvos conseguem distinguir rostos humanos, identificando os que são menos simpáticos. Conseguem também utilizar (e até construir) pequenos instrumentos para obter comida. E inclusive encontraram uma maneira de comer sapos venenosos sem morrerem envenenados.

Um estudo japonês demostrou uma outra curiosidade: como é que os corvos citadinos conseguem partir a casca de uma noz. A ideia é simples e engenhosa. Inicialmente os corvos limitavam-se a deixar cair a noz de uma grande altura sobre o asfalto (que é bastante mais “duro” que um chão de terra), para a partir. Mais tarde os corvos perceberam que a noz se parte mais facilmente se estiver sob a roda de um carro em movimento. E para não serem atropelados os corvos aprenderam a partir as nozes em locais da estrada com sinais de passagem luminosos, tais como passadeiras e cruzamentos. É só largar a noz, deixar que um carro a esmague, esperar pelo sinal verde para peões e ir recolher os restos. Este vídeo da BBC conta tudo!



Nota: Nas falésias da região de Sagres continuam a existir muitos corvos!

domingo, 13 de setembro de 2009

Cimento 3D

Desde a antiguidade o cimento é utilizado na construção de edifícios e outras estruturas. No entanto embora seja conhecida a composição do cimento, ainda não era conhecida a sua estrutura a nível molecular. Agora, um estudo com o título A realistic molecular model of cement hydrates apresentado na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) apresenta uma proposta para a estrutura tridimensional do cimento a três dimensões. O estudo foi financiado pela Cimpor, empresa portuguesa envolvida na produção de cimento.

O conhecimento da estrutura molecular do cimento é importante para melhorar a sua qualidade e tornar possível a produção de cimento adaptado às características das obras em que é aplicado. A nível ambiental poderá também contribuir para a diminuição da emissão de dióxido de carbono relativa à produção de cimento, que actualmente corresponde a mais de 5% do total a nível mundial. O dióxido de carbono é o maior contribuinte para o aumento do efeito de estufa.

O cimento é constituído por cal (óxido de cálcio), sílica e água. No artigo é apresentada a “formula química” do cimento e é proposto um modelo da sua estrutura molecular que, quando testado, apresenta resultados que estão de acordo com as características (propriedades) físicas do cimento. Também é proposto um papel muito importante para a água presente no cimento. Á água torna o cimento duro e impede que o cimento rache.

Os autores do artigo dizem que se pode fazer uma analogia entre a estrutura molecular do cimento e a estrutura cristalina de um mineral raro, a tobermorita. Tanto o cimento como a tobermorita são constituídos por uma sequência alternada de camadas de sílica e camadas de óxido de cálcio. No entanto, ao contrário do que acontece com a tobermorita, no cimento elementos da camada de sílica “intrometem-se” na camada de óxido de cálcio. Esta estrutura leva a uma classificação mista do cimento: no interior de cada camada comporta-se como um líquido amorfo (como se fosse vidro) mas entre camadas comporta-se como um sólido cristalino (como o sal de cozinha).

Sobre pressão o cimento não racha facilmente. Este facto deve-se à presença de moléculas de água entre as camadas de sílica e de óxido de cálcio do cimento. Neste caso as moléculas de água servem como uma espécie de lubrificante, permitindo o deslizamento de camadas adjacentes. As moléculas de água presentes no cimento também são responsáveis pela sua rigidez. Este facto deve-se à presença de moléculas de água dentro das camadas de óxido de cálcio, como consequência da intromissão de elementos de silício nesta camada.

A notícia sobre o artigo científico encontra-se aqui.
O artigo encontra-se acessível online (em pdf) aqui.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Estrelas Speedy Gonzalez.

Tal como o Sol, o movimento das estrelas da Via Láctea está condicionado pela gravidade desta galáxia. Mas desde 2003 que têm sido descobertas estrelas hiper-rápidas, estrelas fugitivas, com uma velocidade tão grande que a gravidade da Via Láctea não as consegue “agarrar”. A revista Astronomy de Setembro de 2009 dedica-lhes um artigo, What revved up the galaxy´s fast stars?, escrito pelo astrofísico Ray Jayawardhana.
Estima-se que existe perto de 1000 estrelas hiper-rápidas na Via Láctea. Para as poder localizar, os astrónomos procuram primeiro estrelas azuis novas, de massa elevada e distantes, para depois verificarem a sua velocidade. Actualmente conhecem-se 16 estrelas hiper-rápidas, com velocidade entre 0,75 milhões de km/h e 1,60 milhões de km/h.
Os astrónomos consideram várias hipóteses para as estrelas apresentarem uma velocidade tão elevada. Uma delas tenta explicar a existência de 8 estrelas hiper-rápidas conhecidas, que se encontram muito próximas umas das outras na zona da constelação de Leão. Estas estrelas teriam feito parte de uma galáxia satélite que se tenha atravessado no caminho da via Láctea.
Outra hipótese proposta para existência de estrelas hiper-rápidas é estas pertencerem originalmente a um cluster de estrelas e adquirir uma velocidade elevada em resultado da interacção com outras estrelas próximas.
As estrelas hiper-rápidas podem também ter feito parte de um sistema binário.Neste caso podem adquirir uma velocidade elevada por (pelo menos) dois processos diferentes: explosão de uma das estrelas como supernova e interacção com um buraco negro.
Quando um sistema binário de estrelas se aproxima de um buraco negro supermaciço uma das estrelas é capturada mas a outra é capturada para o exterior com grande velocidade. A existência destas estrelas pode ser utilizada com prova de que o centro da Via Láctea possui um buraco negro supermaciço e ainda fornecer uma indicação do seu tamanho.
A explosão de uma das estrelas de um sistema binário como uma supernova também pode criar um impulso que leve a estrela companheira a ganhar uma grande velocidade.
Os astrónomos continuam activamente à procura de mais estrelas hiper-rápidas. O seu estudo poderá fornecer informações valiosas para o conhecimento da estrutura, construção e desenvolvimento de diversos componentes do Universo.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Maxwell e os anéis de Saturno.

Maxwell é conhecido actualmente pelo trabalho realizado para a compreensão do electromagnetismo. Mas os seus primeiros trabalhos estavam relacionados com as cores e também com a geometria e outros cálculos matemáticos. Como os que realizou para explicar (matematicamente) a constituição dos anéis de Saturno.

Em 1843 o matemático e astrónomo britânico John Couch Adams (1819-1892) iniciou a sua busca por um planeta perdido, que, seguindo a teoria de Newton, estaria a perturbar a órbita do planeta Urano. Em 1845 Adams apresentou os cálculos matemáticos que previam a posição deste planeta a George Biddell Airy, na altura o astrónomo real britânico, e foi devidamente ignorado. Em 1846 o francês Urbain Le Verrier (1811-1877), seguindo sem o saber os passos de Adams, enviou uma carta com os seu cálculos relativos ao planeta mistério ao observatório de Berlim. Na noite em que receberam a carta os astrónomos alemães descobriram o planeta!

O que se seguiu foi digno de uma telenovela, com Le Verrier e Airy a lutar pelos direitos relativos a tudo o que implicasse o novo planeta, incluindo o direito de lhe dar um nome e (mais importante de tudo) a primazia da descoberta. Actualmente é dado crédito tanto a Le Verrier como a Adams pela descoberta deste planeta, a que chamamos Neptuno.

Na década de 1840 James Clerk Maxwell (1831-1879) era ainda novo para se envolver nestas disputas científicas, mas foi graças a elas que ganhou o seu primeiro prémio monetário. É que em 1848, em comemoração da contribuição de Adams para a descoberta de Neptuno (e numa espécie de pedido de desculpas feito pela comunidade científica britânica), foi criado o prémio Adams. E em 1857 Maxwell ganhou o prémio Adams com uma explicação matemática para a constituição dos anéis de Saturno.

Quando Maxwell se candidatou ao prémio Adams existiam três propostas para a constituição dos anéis de Saturno: podiam ser sólidos maciços, podiam ser constituídos por fluidos ou podiam ser constituídos por muitos pedaços de matéria.

Maxwell conseguiu provar matematicamente que os anéis de Saturno só poderiam ser sólidos maciços e estáveis se quatro quintos da sua massa estivesse concentrada num único ponto e a restante estivesse distribuída uniformemente. Esta hipótese era contrariada pela observação por telescópio do planeta. Maxwell provou depois, utilizando métodos de análise de Fourier, que, se os anéis fossem constituídos por fluídos, o seu movimento ondulatório iria provocar a desagregação dos anéis em bolhas.

Assim, por exclusão de partes, os anéis de Saturno teriam de ser constituídos por muitos pedaços de matéria. Como não era possível conhecer o tamanho e massa de todos os pedaços que constituíam os anéis, Maxwell simplificou a questão: ao fazer os cálculos matemáticos considerou que todos os pedaços seriam semelhantes entre si, estariam a distâncias iguais uns dos outros e constituiriam um único anel. Neste caso, desde que a densidade dos pedaços fosse baixa, o anel seria estável.

Maxwell provou depois que um sistema de dois anéis em sequência constituídos (cada um) por muitos pedaços de matéria também pode ser estável, mas que irão ocorrer colisões entre os pedaços, criando uma espécie de fricção que obriga os anéis a moverem-se em sentidos diferentes.

Maxwell não conseguiu identificar os constituintes dos anéis de Saturno, nem a sua organização. Mas os responsáveis pela atribuição do prémio Adams consideraram-se satisfeitos. A confirmação da constituição dos anéis de Saturno por muitos pedaços de matéria só foi feita quando as sondas Voyager 1 e 2 “sobrevoaram” o planeta no início da década de 1980, mais de 100 depois de Maxwell ter recebido o prémio Adams.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Este é o meu manifesto.

Imagino que é suposto escrever-se uma espécie de manifesto que justifique a existência de um novo blog. Este manifesto deverá apresentar os objectivos do blog e também as razões que levam o blogger (ou bloggers) a postar nele. Sendo assim (e por agora) o meu manifesto resume-se a um texto bem pequeno: O meu objectivo é falar sobre Ciência em geral, na sua história em particular (com alguma filosofia à mistura) e, sempre que necessário na educação e literacia científicas. As minhas razões resumem-se a duas só: porque quero e também porque gosto de escrever sobre estes temas!

Ema não é uma avestruz pode parecer um título estranho, principalmente porque este não é um blog sobre aves. O título foi inspirado num comentário relativo a um ensaio de Stephen Jay Gould (1941-2002) sobre kiwis (ave neozelandesa) chamado Of kiwi eggs and the liberty bell que aparece no livro Bully for Brontosaurus (em português A Feira dos Dinossáurios).

E assim termina o meu manifesto sobre este blog. Todas as sugestões de temas a tratar em futuros textos (e outros conselhos) serão tidas em grande consideração.