terça-feira, 7 de abril de 2015

Dança de gigantes

Recorrendo a linhas ou barras, números e letras, cada gráfico explica um acontecimento, um fenómeno ou uma tendência. Por vezes os gráficos trazem más notícias, outras vezes esperança e um futuro promissor. Mas um gráfico conta sempre algo novo, que desconhecíamos. Eis um exemplo.


Este simples gráfico conta a história de uma dança que se pensa seguir sempre os mesmos passos. Dois buracos negros, presos no abraço da gravidade, orbitam um em torno do outro, cada vez mais depressa até que se unem. Seja qual for a sua massa, o final da dança é sempre o mesmo: um único buraco negro, maior e mais massivo, e estático no espaço-tempo.

No gráfico são as ondas gravíticas geradas pelo par dançante que contam a história. Segundo a teoria da relatividade geral qualquer astro movendo-se no espaço-tempo, emite ondas gravitacionais, tal qual um barco movendo-se num lago. A amplitude e a frequência das ondas gravitacionais dependem do tipo de movimento do astro e da sua massa. Mas até as ondas emitidas pelos buracos negros mais massivos, os astros mais “pesados” de todo o Cosmo, não têm amplitudes maiores que o diâmetro de um simples átomo quando finalmente atingem a Terra.

Até hoje esta diminuta amplitude das ondas gravitacionais tem impedido a sua detecção por qualquer instrumento feito pelo Homem. Por isso este gráfico não se baseia em dados reais, nem em qualquer observação real. Não, não, este é um gráfico inteiramente gerado por computador. Perceber como foi possível faze-lo exige um pouco de teoria.

Segundo a relatividade geral, apresentada por Albert Einstein faz agora um século, os astros influenciam a estrutura do espaço-tempo. Quanto maior a massa do astro, maior a curvatura que o astro impõe ao espaço-tempo. E a estrutura do espaço-tempo, curvada pela influência dos astros, também determina como estes se movem.

A gravidade é essa curvatura criada pelos astros no espaço-tempo. A gravidade explica que os astros se atraiam entre si, gerando uma dança com regras fixas que dependem do número de “dançarinos” que nela “participam”. A “dança” mais simples é a de um par de astros, chamado sistema binário. Quando um dos astros tem muito mais massa que o outro, o primeiro fica quase que estacionário, orbitando o segundo à sua volta. Mas quando os astros têm uma massa semelhante, os dois orbitam em torno de um ponto comum.


O gráfico da “dança” de dois buracos negros pode ser dividido em três partes distintas, descritas pelas palavras inglesas inspiralmerger, e ringdowm.

No início os buracos negros encontram-se orbitando em torno de um ponto comum. Esta é a fase inspiral. O movimento dos buracos negros no espaço-tempo gera ondas gravitacionais, que transportam consigo energia tirada ao sistema binário. Esta perda de energia é compensada pela diminuição progressiva da distância entre os dois buracos negros. Quanto mais perto se encontram um do outro, mais depressa se movem.

Lentamente a amplitude e a frequência das ondas gravitacionais aumentam, até que a distância entre os dois buracos negros é nula. É nessa fase, chamada merge, que os buracos negros se “fundem”, criando um só buraco negro. A amplitude das ondas aumenta primeiro e depois diminui, sempre em passo acelerado.

Por fim resta um buraco negro solitário, a soma dos dois buracos negros originais. Inicialmente está muito distorcido, mas rapidamente essa distorção desaparece até o buraco negro estabilizar e ficar estacionário no espaço-tempo. Enquanto estabiliza, o novo buraco negro emite as últimas ondas gravitacionais. Nesta fase a amplitude das ondas gravitacionais é semelhante à do som de um sino que deixa de ser badalado: cada vez menor, até ser nula. Dai o nome, ringdown (palavra que se refere ao desvanecer do som de um sino após o toque). Estacionário no espaço-tempo, o buraco negro não emite mais ondas gravitacionais.

Nesta “dança” a amplitude e a frequência das ondas gravitacionais dependem da massa de cada buraco negro. Quanto maior a massa dos buracos maior também a amplitude. Neste gráfico os buracos negros têm a mesma massa. Buracos negros de massas diferentes criariam ondas gravitacionais ligeiramente diferentes, mas o padrão (as três fases) seria o mesmo. No limite, se um dos buracos negros tivesse uma massa muito maior que o outro, as ondas gravitacionais teriam uma amplitude muito pequena, quase nula, como se mostrasse apenas um buraco negro estático.

Falta explicar um pequeno sinal no gráfico, ainda antes da fase inspiral. Este pequenino “alto” é uma consequência da informação necessária para o super-computador poder “desenhar” o gráfico. Em princípio dois buracos negros sozinhos deveriam começar a “dançar” a uma distância infinita, porque a gravidade também atua a distância infinita. Mas, mesmo para um super-computador, demoraria uma eternidade a terminar tais cálculos. É preciso portanto escolher a distância a que os buracos negros se encontram um do outro quando o gráfico “começa a seguir a sua “dança”. Conforme este valor assim será a posição e a amplitude do sinal inicial.

E ainda assim, escolhido um início para esta “dança”, o super-computador demora um ano inteiro a criar o gráfico. Resta agora encontrar um caso real, um dança entre dois buracos negros algures no Universo, tentar detectar as ondas gravitacionais geradas pelo par dançante e confirmar se o gráfico “está certo”.



Nota: Este artigo não teria sido possível  sem a colaboração do Dr. Vitor Cardoso, Investigador Principal do Grupo Gravitation in Técnico (GRIT), do Centro Multidisciplinar de Astrofísica(CENTRA), Instituto Superior Técnico. O DR. Cardoso também forneceu as figuras presentes no post.