terça-feira, 7 de abril de 2015

Dança de gigantes

Recorrendo a linhas ou barras, números e letras, cada gráfico explica um acontecimento, um fenómeno ou uma tendência. Por vezes os gráficos trazem más notícias, outras vezes esperança e um futuro promissor. Mas um gráfico conta sempre algo novo, que desconhecíamos. Eis um exemplo.


Este simples gráfico conta a história de uma dança que se pensa seguir sempre os mesmos passos. Dois buracos negros, presos no abraço da gravidade, orbitam um em torno do outro, cada vez mais depressa até que se unem. Seja qual for a sua massa, o final da dança é sempre o mesmo: um único buraco negro, maior e mais massivo, e estático no espaço-tempo.

No gráfico são as ondas gravíticas geradas pelo par dançante que contam a história. Segundo a teoria da relatividade geral qualquer astro movendo-se no espaço-tempo, emite ondas gravitacionais, tal qual um barco movendo-se num lago. A amplitude e a frequência das ondas gravitacionais dependem do tipo de movimento do astro e da sua massa. Mas até as ondas emitidas pelos buracos negros mais massivos, os astros mais “pesados” de todo o Cosmo, não têm amplitudes maiores que o diâmetro de um simples átomo quando finalmente atingem a Terra.

Até hoje esta diminuta amplitude das ondas gravitacionais tem impedido a sua detecção por qualquer instrumento feito pelo Homem. Por isso este gráfico não se baseia em dados reais, nem em qualquer observação real. Não, não, este é um gráfico inteiramente gerado por computador. Perceber como foi possível faze-lo exige um pouco de teoria.

Segundo a relatividade geral, apresentada por Albert Einstein faz agora um século, os astros influenciam a estrutura do espaço-tempo. Quanto maior a massa do astro, maior a curvatura que o astro impõe ao espaço-tempo. E a estrutura do espaço-tempo, curvada pela influência dos astros, também determina como estes se movem.

A gravidade é essa curvatura criada pelos astros no espaço-tempo. A gravidade explica que os astros se atraiam entre si, gerando uma dança com regras fixas que dependem do número de “dançarinos” que nela “participam”. A “dança” mais simples é a de um par de astros, chamado sistema binário. Quando um dos astros tem muito mais massa que o outro, o primeiro fica quase que estacionário, orbitando o segundo à sua volta. Mas quando os astros têm uma massa semelhante, os dois orbitam em torno de um ponto comum.


O gráfico da “dança” de dois buracos negros pode ser dividido em três partes distintas, descritas pelas palavras inglesas inspiralmerger, e ringdowm.

No início os buracos negros encontram-se orbitando em torno de um ponto comum. Esta é a fase inspiral. O movimento dos buracos negros no espaço-tempo gera ondas gravitacionais, que transportam consigo energia tirada ao sistema binário. Esta perda de energia é compensada pela diminuição progressiva da distância entre os dois buracos negros. Quanto mais perto se encontram um do outro, mais depressa se movem.

Lentamente a amplitude e a frequência das ondas gravitacionais aumentam, até que a distância entre os dois buracos negros é nula. É nessa fase, chamada merge, que os buracos negros se “fundem”, criando um só buraco negro. A amplitude das ondas aumenta primeiro e depois diminui, sempre em passo acelerado.

Por fim resta um buraco negro solitário, a soma dos dois buracos negros originais. Inicialmente está muito distorcido, mas rapidamente essa distorção desaparece até o buraco negro estabilizar e ficar estacionário no espaço-tempo. Enquanto estabiliza, o novo buraco negro emite as últimas ondas gravitacionais. Nesta fase a amplitude das ondas gravitacionais é semelhante à do som de um sino que deixa de ser badalado: cada vez menor, até ser nula. Dai o nome, ringdown (palavra que se refere ao desvanecer do som de um sino após o toque). Estacionário no espaço-tempo, o buraco negro não emite mais ondas gravitacionais.

Nesta “dança” a amplitude e a frequência das ondas gravitacionais dependem da massa de cada buraco negro. Quanto maior a massa dos buracos maior também a amplitude. Neste gráfico os buracos negros têm a mesma massa. Buracos negros de massas diferentes criariam ondas gravitacionais ligeiramente diferentes, mas o padrão (as três fases) seria o mesmo. No limite, se um dos buracos negros tivesse uma massa muito maior que o outro, as ondas gravitacionais teriam uma amplitude muito pequena, quase nula, como se mostrasse apenas um buraco negro estático.

Falta explicar um pequeno sinal no gráfico, ainda antes da fase inspiral. Este pequenino “alto” é uma consequência da informação necessária para o super-computador poder “desenhar” o gráfico. Em princípio dois buracos negros sozinhos deveriam começar a “dançar” a uma distância infinita, porque a gravidade também atua a distância infinita. Mas, mesmo para um super-computador, demoraria uma eternidade a terminar tais cálculos. É preciso portanto escolher a distância a que os buracos negros se encontram um do outro quando o gráfico “começa a seguir a sua “dança”. Conforme este valor assim será a posição e a amplitude do sinal inicial.

E ainda assim, escolhido um início para esta “dança”, o super-computador demora um ano inteiro a criar o gráfico. Resta agora encontrar um caso real, um dança entre dois buracos negros algures no Universo, tentar detectar as ondas gravitacionais geradas pelo par dançante e confirmar se o gráfico “está certo”.



Nota: Este artigo não teria sido possível  sem a colaboração do Dr. Vitor Cardoso, Investigador Principal do Grupo Gravitation in Técnico (GRIT), do Centro Multidisciplinar de Astrofísica(CENTRA), Instituto Superior Técnico. O DR. Cardoso também forneceu as figuras presentes no post.

sexta-feira, 20 de março de 2015

Quantas Terras existem na Via Láctea?


Estaremos sozinhos no Universo? Será a Terra o único planeta habitado e habitável na Via Láctea? Quão comuns são os planetas com possibilidades de vida? Foi em parte para responder a estas questões que em 2007 a NASA lançou a sonda Kepler. Desde então e não sem percalços, a Kepler tem sido a maior responsável pela descoberta de exoplanetas: 1000 planetas confirmados no início de 2015 e mais de 4000 candidatos à espera de confirmação.

A maioria dos planetas descobertos pela Kepler não parece ser propícia à vida como a conhecemos. Muitos são planetas gasosos e não rochosos como a Terra. São também maiores que o nosso planeta e estão no local errado, demasiado próximos ou demasiado distantes da estrela mãe para permitir a condição considerada primordial para a vida: água no estado líquido.

A descoberta de tantos planetas, num espaço tão curto (a Kepler analisa uma muito pequena parte da Via Láctea, situada entre as constelações de Cisne, Dragão e Lira, ver figura à esquerda) traz esperança aos astrónomos. Mas a própria forma como a Kepler “actua” para detectar planetas (o método de trânsito) leva a que lhe seja mais fácil encontrar planetas grandes e muito próximos da estrela mãe. Existem no entanto formas de tentar ultrapassar este problema e descobrir exoplanetas mais pequenos e mais distantes, “invisíveis” ao escrutínio da Kepler a partir dos próprios dados desta sonda. Uma delas é o recurso à Lei de Titius-Bode.

A Lei de Titus-Bode descreve a distância ao Sol de sete dos oito planetas do sistema solar (Neptuno é a excepção). Em 1766 o astrónomo alemão Johann Daniel Titius (1729 – 1796) propôs a existência de uma razão entre estas distâncias, descrita por uma série (sequência) de números: 0, 3, 6, 12, 24, 48, 96, 192, … . Quando se soma 4 a cada número desta série e se divide por 10 obtém-se os valores do semi-eixo maior das órbitas dos planetas: 0,4; 0,7; 1,0; 1,6; 2,8; 5,2; 10,0; 19,6 (em UA, unidades astronómicas).

A Lei de Titus-Bode foi popularizada em 1772 por um outro astrónomo alemão, Johann Elert Bode (1747 –1826) e levou à descoberta do planeta anão Ceres em 1801 e da cintura de asteroides (que se encontram a 2,8 UA do Sol). Quando em 1781 foi descoberto Úrano rapidamente se confirmou que também este planete segue a Lei de Titus-Bode.

Ainda hoje não se sabe o que está por detrás da Lei de Titus-Bode. Mas o estudo dos sistemas estelares identificados pela Kepler indicia que esta não é uma simples coincidência. Vários estudos publicados na década de 2010 demostram que pelo menos 124 dos 151 sistemas estelares com entre 3 e 6 planetas descobertos pela Kepler seguem a Lei de Titus-Bode. Este facto permite que esta lei possa ser usada para prever a existência de outros planetas nestes sistemas, tal como aconteceu com Ceres e Neptuno.

Um estudo agora publicada pela revista Monthly Notices of the Royal Astronomical Society usa a Lei de Titus-Bode para estudar os 151 sistemas estelares descobertos pela Kepler. Os autores do estudo pensam que será possível encontrar até 228 novos planetas nestes sistemas. Esperam também que no futuro seja possível estudar directamente 40 sistemas estelares para descobrir 77 planetas até agora “invisíveis”. Baseados nos seus cálculos, os astrónomos defendem que poderão existir em média entre 1 e 3 planetas na zona habitável (zona onde os planetas poderão ter água no estado líquido) dos 151 sistemas em causa.

A sonda Kepler estuda um ínfimo das 100 a 400 milhões de estrelas que se pensa existirem na Via Láctea. A ser verdade que tantas dessas estrelas têm o seu próprio sistema solar, com entre 1 a 3 planetas com água no estado líquido é então possível que não estejamos sós no Universo. É bem provável até que tenhamos companhia na nossa galáxia.


Crédito das figuras:
    1) NASA/JPL-Caltech
    2) Carter Roberts / Eastbay Astronomical Society

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Gás limpo a partir de água suja

Todos os dias utilizamos centenas de litros de água. É importante que, depois de usadas e contaminadas, estas águas residuais domésticas e industriais possam retomar ao meio ambiente “limpas”, sem constituírem um perigo para ninguém. Actualmente em Portugal isso é feito pelas Estações de Tratamento de Águas Residuais (ETARs). Mas poderá o tratamento de águas residuais ter outras vantagens? Um grupo de investigadores da Universidade Autónoma de Barcelona defende que sim: É possível produzir electricidade e gás hidrogénio a partir dos resíduos orgânicos das águas residuais.

A ideia de produzir electricidade a partir de águas residuais não é nova. Os compostos orgânicos que contaminam as águas residuais têm um elevado nível de energia química (energia contida nas ligações químicas entre os átomos das moléculas orgânicas) que pode, em princípio, ser transformada em energia eléctrica.  Mas só recentemente apareceram os primeiros sistemas bioeléctricos, sistemas que recorrem a micro-organismos para produção de electricidade ou de gases como o hidrogénio.

Os cientistas do grupo catalão criaram uma célula que recorre a microorganismos para produzir gás hidrogénio, chamada célula electrolítica microbiana (ver figura à esquerda). Esta é uma célula simples, constituída por apenas uma câmara cheia de águas residuais onde estão mergulhados dois eléctrodos. Os eléctrodos estão ligados a um pequeno circuito eléctrico que fornece uma corrente eléctrica com uma tensão de 0,8 V (menos de que uma pequena pilha do comando de televisão).

É num dos eléctrodos da célula electrolítica microbiana, o ânodo, que se dá a magia. O ânodo está coberto por um biofilme com centenas de milhares de bactérias de dois tipos diferentes: Por um lado bactérias fermentadoras, que transformam os resíduos orgânicos em moléculas orgânicas mais simples; por outro lado bactérias exoelectrogénicas,  que usam as moléculas mais simples para “produzir” electrões. Os electrões são depois “recolhidos” pelo ânodo e a corrente eléctrica gerada desta forma é usada para produzir gás hidrogénio.


O grupo de investigadores pretende optimizar estas células electrolíticas e adapta-las, para que possam ser usadas em ETARs na rentabilizar dos resíduos orgânicos. O grupo publicou agora um artigo em que prova a produção abundante de gás hidrogénio a partir de águas residuais ricas em leite (uma mistura de proteínas, açucares e gorduras), e de águas residuais domésticas. 


Os investigadores testaram a célula electroquímica microbiana com quatro tipos de águas residuais: uma constituída principalmente por leite (mistura de proteínas, gordura e açucares, à esquerda), outra constituída principalmente por glicerol (ao centro), amido (principal constituinte de batatas, à direita) e finalmente uma mistura das três primeiras. Apenas o primeiro tipo (leite) e a mistura de águas residuais deram resultados satisfatórios.

De acordo com o grupo de investigadores da Universidade Autónoma de Barcelona, os resultados demonstram que no futuro pode ser possível a adaptação de células electrolíticas microbianas a ETARs, pelo menos a nível das águas residuais domésticas (produzidas em cidades, vilas e aldeias) e das águas residuais da indústria de lacticínios.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Parabéns Alessandro Volta



O Google comemora hoje o 270º aniversário de Alessandro Volta (1745-1827) físico e químico italiano famoso pela invenção da primeira bateria, a chamada pilha voltaica. O logotipo do Google apresenta no seu centro uma pilha voltaica que vai sendo construída com a adição de mais discos metálicos, permitindo que as letras do título “Google” se vão acendendo até todas estarem iluminadas.

Alessandro Giuseppe Antonio Anastasio Volta nasceu em Como, Lombardia, Itália, em 1745, no seio de uma família nobre mas pouco abastada. Apesar de um percurso académico pouco comum (estudou em casa até aos 11 anos e recusou frequentar a universidade) Alessandro Volta cedo demonstrou grande interesse pela física, pela química e, principalmente, pela electricidade e o estudo de fenómenos eléctricos.

A partir dos 18 anos Alessandro Volta começou a corresponder-se com outros dois cientistas, o francês Jean-Antoine Nollet e o italiano Giambatista Beccaria. Antes dos trinta anos Volta já tinha publicado vários pequenos artigos científicos. Dois destes artigos, ambos sobre fenómenos eléctricos, valeram-lhe o ingresso como Professor na Escola Real de Como. Quatro anos depois, em 1778, Alessandro Volta tornou-se professor de filosofia natural (o nome dado à ciência na altura) na Universidade de Pádua, uma das universidades mais antigas do mundo, onde se tornou responsável pela área de física experimental.

O interesse de Alessandro Volta na electricidade levou-o a estudar a investigação feita pelo médico e professor de anatomia italiano Luigi Galvani (1737- 1798) desde a década de 1780. Luigi Galvani realizou várias experiências com pernas de rãs sobre o que chamou “fluido eléctrico animal”. Para este cientista a condução de electricidade exigia sempre o uso de tecido de animais vivos ou mortos (ou seja, de materiais orgânicos). Alessandro Volta não concordava com as conclusões do seu compatriota. Em 1792 confirmou que a passagem de corrente eléctrica podia acontecer em materiais não orgânicos. A explicação dos resultados das experiências de Luigi Galvani valeu a Alessandro Volta a medalha Copley em 1794, a distinção mais antiga conferida pela Royal Society de Londres.

Foi o seu trabalho sobre os estudos de Galvani que levou Alessandro Volta a desenvolver a primeira bateria, a pilha voltaica. Volta fez várias experiências, usado até a sua língua, no estudo do fenómeno descoberto por Galvani. Mas apenas em 1799 apresentou a sua primeira bateria funcional.

A Março de 1800 Alessandro Volta escreveu uma carta a Sir Joseph Banks, na altura presidente da Royal Society, a explicar o funcionamento da pilha voltaica. Em Junho desse ano a carta foi oficialmente apresentada por Sir Banks aos outros membros da Royal Society. A figura em baixo apresenta uma das figuras que acompanhou a carta, representando quatro pilhas voltaicas ligadas em série.Segundo a descrição feita por Alessandro Volta nesta carta:

“Eu continuei a fazer pares de discos de prata e de zinco, sempre na mesma ordem, ou seja o disco de prata por baixo e o disco de zinco por cima ou vice-versa […] e coloquei entre cada um destes pares um disco embebido [em água com sal]. Continuei a formar, com estes pares, uma coluna tão grande quanto possível sem que houvesse o perigo de cair. […] Quando [a pilha] contem cerca de vinte pares de discos é não só capaz de emitir sinais de electricidade […] mas também de dar pequenos choques [quando se toca a pilha com os dedos]”.



Até ao aparecimento da pilha voltaica apenas era possível estudar fenómenos relacionados com a electricidade estática. Mas esta é uma fonte fiável de corrente eléctrica contínua. Vários cientistas europeus aperceberam-se rapidamente da importância deste facto. Entre outros a pilha voltaica foi usada pelo químico sueco Jöns Jacob Berzelius, os britânicos William Nicholson (1753-1815) e Anthony Carlisle (1768-1840) e Michael Faraday (1791-1867) e o físico e químico dinamarquês Hans Christian Ørsted (1777-1851). No entanto foi químico inglês Humphry Davy (1778-1829) que se tornou mais famoso pelo seu recurso à pilha voltaica. 

 Humphry Davy baseou-se no trabalho de Jöns Jacob Berzelius. Em 1803 o químico sueco realizou várias experiências recorrendo à pilha voltaica para separar substâncias químicas em componentes mais simples e de cargas diferentes e verificou que os metais migravam sempre para o pólo negativo da pilha. Davy recorreu a este resultado para tentar isolar metais desconhecidos, na verdade novos elementos químicos. Em 1807 Davy isolou os metais alcalinos potássio e sódio, respectivamente a partir de potassa caustica (hidróxido de sódio, também usado como fertilizante) e de soda caustica (hidróxido de sódio). Em 1808 Davy recorreu novamente à pilha voltaica para isolar dois metais alcalino-terrosos, magnésio e estrôncio, e também o boro.

A invenção da pilha voltaica tornou Alessandro Volta famoso também fora da comunidade científica. Em 1801 Volta fez uma demostração oficinal deste instrumento a Napoleão. Muito impressionado Napoleão tonou Volta um conde e deu-lhe um lugar no senado. Prevendo que a electricidade seria em breve uma área importante da ciência, Napoleão instituiu um prémio de 60 000 francos para a grande descoberta seguinte nesta área da ciência. 



Em 1815, derrotado Napoleão, o Imperador austro Francisco I tornou Alessandro Volta director da Faculdade de Filosofia da Universidade de Pádua (na altura a ciência era chamada filosofia natural e considerada parte da filosofia). Mas Volta não se manteve por muito tempo neste lugar. Em 1818 renunciou ao lugar para se poder dedicar mais à sua família. Alessandro Volta morreu em 1827, na sua casa em Como.

domingo, 30 de junho de 2013

Dez mil tenebrosos companheiros



O dia 18 de Junho de 2013 ficará na história como o dia em que foi descoberto o NEO número 10.000, um asteroide chamado 2013 MZ5 (NEO significa “Near Earth Objects” ou Objectos Próximos da Terra). O 2013 MZ5 tem uns respeitosos 300 metros de comprimento, suficiente para provocar grandes estragos a nível local caso colidisse com a Terra, mas a sua órbita não se vai cruzar tão brevemente com a do nosso planeta. A descoberta foi feita pelo telescópio Pan-STARR-1, situado na ilha Maui, no Havai.
 


AS duas fotografias do asteroide 2013 MZ5 foram feitas pelo telescópio Pan-STARR-1. O asteroide é o único ponto luminoso a mover-se contra o fundo “estático” de estrelas (Crédito: PS-1/UH).

Os NEOs, são asteroides ou cometas cujas órbitas se aproximam da órbita da Terra, podendo haver a possibilidade de colisão entre estes astros e o nosso planeta. “O primeiro NEO foi descoberto em 1898” refere Don Yomans, responsável pelo grupo de estudo de NEOs do Jet Propulsion Laboratory, em Pasadena, Califórnia, nos Estados Unidos. “Mas nos 100 anos seguintes apenas foram descobertos cerca 500 NEO”.

O estudo dos NEOs permite aumentar o nosso conhecimento sobre o sistema solar e a sua formação. Existe ainda a possibilidade de ser possível a exploração comercial destes astros (minerais e material orgânico). Mas a razão mais importante para o estudo dos NEOs é a possibilidade de estes colidirem com a Terra e as consequências dessa colisão.

Na verdade todos os dias a Terra é bombardeada por toneladas de detritos, pequenos suficiente para serem destruídos ao entrarem na atmosfera terrestre. O asteroide que a 15 de Fevereiro de 2013 atingiu a região de Chelyabinsk, na Rússia tinha entre 15 e 17 metros, e foi reduzido a pedaços mais pequenos ao entrar na atmosfera. Pensa-se que existem pelo menos 1 milhão de NEOs com esta dimensão, que colidem com a Terra a uma média de uma vez por cada 100 anos.

Para precaver possíveis colisões futuras de asteroides, no final do século XX o senado norte-americano requereu à NASA a criação de um programa para descobrir e monitorizar os NEOs. Desde então outros países seguiram o exemplo dos Estados Unidos. Dos 10.005 NEOs já descobertos até 22 de Junho, 861 têm mais de 1 km de comprimento. O programa também descobriu cerca de 30% dos 15.000 NEOs com perto de 140 metros que se pensa existirem.
 


Os dois gráficos anteriores apresentam informação relativa aos NEOs conhecidos actualmente. O gráfico à esquerda indica o número (acumulado) de NEOs descobertos entre Janeiro de 1980 e Março de 2013, enquanto o gráfico à direita apresenta a classificação dos NEOs conhecidos de acordo com o seu tamanho (Crédito: Alain B. Chamberlin/JPL).

O telescópio Pan-STARR-1 é um dos meios utilizados para identificar e localizar NEOs e tem sido muito bem sucedido na sua tarefa. Possui a maior câmara digital do mundo, com 1.400 megapixéis (as melhores máquinas fotográficas têm apenas 18 megapixéis) capaz de cobrir uma área 40 vezes maior que a área da lua cheia. Como comparação as máquinas fotográficas comuns, disponíveis actualmente no mercado, têm apenas poucas dezenas de megapixéis.

Cada noite o Pan-STARR-1 consegue tirar até 500 fotografias que são comparadas via computador de forma a detectar astros em movimento no céu nocturno ou astros cujo brilho varia de noite para noite. A análise destas fotografias permite ainda determinar a órbita do astro e, o mais importante, se o astro está ou não em rota de colisão com a Terra.

Segundo o website do Programa de Near Earth Objects, a cada 10.000 anos a Terra é atingida por pelo menos um asteroide com perto de 100 metros de comprimento, capaz de provocar uma catástrofe a nível local. Mais raros, os asteroides com pelo menos 1,5 km incêndios de larga escala, chuvas ácidas e bloqueio da luz do Sol.

Actualmente são descobertos perto de 1.000 NEOs por ano. “Os novos sistemas têm-nos permitido saber cada vez mais sobre a localização actual e futura dos NEOs no sistema solar”, indica Don Yeomans. O objectivo da NASA é encontrar e catalogar até 90% dos NEOs com pelo menos 140 metros de comprimento. Quando tal acontecer a NASA espera que o risco de colisão de um NEO desconhecido com a Terra seja inferior a um porcento. Ao ter conhecimento prévio de comprimento podem provocar uma catástrofe a nível global, com da possibilidade de uma colisão, a Humanidade pode preparar-se para este acontecimento e até, possivelmente, evita-lo.
 
A figura seguinte apresenta o registo fotográfico mais completo do asteroide 2013 MZ5 feito pelo telescópio Pan-STARR-1. O asteroide é o único ponto luminoso a mover-se contra o fundo “estático” de estrelas (Crédito: PS-1/UH).

quarta-feira, 13 de março de 2013

Falta de fósforo provoca aumento da toxicidade das marés vermelhas do Golfo do México

 
A baixa concentração de fósforo na água é um factor importante para a toxicidade da microalga Karenia brevis, responsável pelas devastadoras ‘marés vermelhas’ no Golfo do México. Quanto menor a concentração do fósforo, maior a toxicidade destas algas. Esta é a conclusão de um estudo pulicado este mês num artigo da revista PLoS ONE  e realizado por investigadores do National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA) e da Universidade Estatal da Carolina do Norte, ambas instituições norte-americanas. A figura em cima apresenta um mapa do Golfo do México (crédito: Google Earth) e uma fotografia de uma célula de Karenia brevis (crédito: Bob Andersen e D. J. Patterson).
 
A K. brevis é uma alga unicelular (um dinoflagelado) que existe principalmente no Golfo do México e em zonas próximas do oceano Atlántico. Em geral é inofensiva, embora capaz de produzir um conjunto de neurotoxinas, chamadas brevetoxinas. Mas por vezes ocorre um crescimento excessivo destas algas, criando uma ‘maré vermelha’ (assim chamada devido à cor vermelha que tinge a água). As células de K. brevis de uma ‘maré vermelha’ produzem brevetoxinas em maior quantidade, podendo provocar a morte de diversos animais marinhos (peixes, lulas, manatins, golfinhos e tartarugas, entre outros) e de aves marinhas e tornar-se um problema grave de saúde pública para as populações humanas próximas das zonas afectadas.
 
As brevetoxinas produzidas pela K. brevis são absorvidas e acumuladas por diversos moluscos, como amêijoas, mexilhões, ostras, búzios. As toxinas não afectam muito os moluscos, mas têm efeitos muito nocivos nos animais que os consomem (incluindo o homem) e os restantes animais da cadeia alimentar. Ao contrário do que acontece com vários animais marinhos, incluindo golfinhos, não são conhecidos casos mortais de intoxicação por brevetoxinas em humanos. Mas as pessoas afectadas apresentam sintomas variáveis, como formigueiro, dores abdominais, náuseas, diarreia, mialgias (dores musculares), variações de sensação de calor e frio, vertigens, ataxia (perda de coordenação), dores de cabeça e bradicardia (diminuição do batimento cardíaco).
 
As conclusões do estudo agora publicado pela PLoS ONE, indiciam que não é durante o crescimento exponencial de K. brevis (que provoca o aparecimento da ‘mancha vermelha’) que aumenta a toxicidade desta alga. Como refere Damian Shea, investigador do departamento da Universidade Estatal da Carolina do Norte e um dos autores do artigo, “é no fim do crescimento exponencial que forma a ‘mare vermelha’, quando os nutrientes estão esgotados, que as células de K. brevis produzem uma explosão de toxicidade”.
 
O estudo provou que em ambientes com reduzida quantidade de fósforo a K. brevis tem tendência para acumular brevetoxina em quantidades 2,3 a 7,3 maiores do que K. brevis em ambiente com quantidade normais de fósforo. Também demonstrou que algumas estirpes de K. brevis são mais tóxicas (produzem maior quantidade de toxinas) que outras.
 
De acordo com os autores do artigo da PLoS ONE a produção de brevetoxina em excesso parece ser uma forma de protecção da K. brevis para evitar ser vítima dos predadores, em tempo de falta de nutrientes. Mas esta situação cria também uma espécie de “reacção em cadeia” (feed-back positivo): ao evitarem 'ser comidas' as algas vão esgotando os nutrientes à sua volta e, como consequência, tornando-se cada vez mais tóxicas.
 
“Consideramos que as conclusões deste estudo irão ser úteis no para modelar futuras situações de crescimentos exponenciais de algas tóxicas e quão prejudiciais poderão ser”, indica Donnie Ransom Hardison, elemento da NOAA e investigador do departamento da Universidade Estatal da Carolina do Norte e primeiro autor do artigo.
 
Os autores do artigo referem que o modo actual de monitorização da K. brevis, baseado na contagem do número de células desta alga, terá se ser repensado, porque baseia-se no pressuposto que a concentração de brevetoxina nas células se mantém constante. Mas os resultados do estudo agora publicado revelam que é necessário medir também a concentração de brevetoxina. Hardison indica outra forma de monitorização: “Os inspectores da saúde pública podem testar os níveis de fósforo na água ao longo do Golfo do México, sabendo que baixos valores podem indicar uma ‘maré vermelha’ muito tóxica”.
 
A figura em baixo é uma fotografia de uma ‘maré vermelha’ de Karenia brevis na ilha de Little Gasparilla no estado de Flórida, Estados Unidos (Crédito: Gulf Coast Preservation).
 
 
 
Notas:
(1) Artigo da PLoS ONE.
(2) Press release da Universidade Estatal da Carolina do Norte.

quinta-feira, 7 de março de 2013

Março, o mês do cometa C/2011 L4 PANSTARRS


(adaptado a partir do original)
 

Os habitantes do hemisfério norte terão neste mês de Março uma companhia especial e única no céu nocturno, o comenta C/2011 L4 PANSTARRS. Segundo astrónomos da Royal Astronomical Society este cometa será visível neste hemisfério a partir de 8 de Março, inicialmente apenas com a ajuda de binóculos e telescópios. Embora se espere que o cometa atinja o periélio (o ponto da órbita mais próximo do Sol) a 10 de Março ele apenas será detectado a olho nu a partir da segunda semana de Março.
 
A figura inicial é uma fotografia do cometa C/2011 L4 PANSTARRS pelo astrónomo australiano Terry Lovejoy (crédito: Terry Lovejoy - adap). Este cometa foi descoberto em Junho de 2011 por um grupo de astrónomos operando o sistema de telescópios PanSTARRS (Panoramic Survey Telescope and Rapid Response System) situado no Havai. A medida que o cometa se aproxima do periélio o seu brilho aumenta e forma-se uma cabeleira e uma ou mais caudas, porque o aquecimento deste astro gelado provoca a sublimação e libertação de gases. Este facto torna o cometa visível no céu nocturno.
 
Actualmente o cometa C/2011 L4 PANSTARRS já é visível no hemisfério Sul, com uma magnitude semelhante à das estrelas mais brilhantes da constelação Ursa Maior. Existe assim a esperança deste cometa poder ser visível mesmo em cidades, apesar da poluição luminosa. Mas para os grandes amantes de astronomia e da observação do céu nocturno é recomendável rumar até zonas mais campestres, com menos luz.
 
 
Pensa-se que o cometa C/2011 L4 PANSTARRS  teve origem na nuvem de Oort, um conjunto milhões de pequenos astros feitos de gelo que rodeiam o sistema solar situado num espaço entre 5.000 e 100.000 UA do Sol (UA = 1 unidade solar ou distância média da Terra ao Sol). Por vezes a órbita de um dos astros gelados da nuvem de Oort é perturbada pela passagem próxima de uma estrela ou pela acção de forças relacionadas com o movimento da Via Láctea, levando á sua saída da nuvem de Oort e aproximação do sistema solar interior, seguindo órbitas muito alongadas com um período (tempo que o cometa demora a completar uma órbita) muito grande, de vários milhares de anos.
 
A figura seguinte mostra a posição esperada do cometa C/2011 L4 PANSTARRS no céu nocturno durante o mês de Março (crédito: Alan Fitzsimmons utilizando The Sky (c) Software Bisque 2010).
 
 
 
 
A partir de 12 de Março, de acordo com astrónomos do Royal Astronomical Society, o cometa estará suficientemente longe do Sol para ser mais fácil de localizar após o pôr-do-sol, apesar de situar muito perto do horizonte. 12 e 13 de Março são considerados bons dias para observar o cometa a olho nu: aparecerá como uma linha difusa, perto da Lua crescente. Depois, ao longo de Março, à medida que o cometa se afasta do Sol, o seu brilho irá diminuindo, uma situação agravada pelo facto de a Lua crescente tornar as noites cada vez menos escuras. A figura seguinte mostra a posição do cometa em relação à lua e ao pôr-do-sol (sunset) nos dias 12, 16, 20 e 24 de Março (crédito: NASA).
 
 
Eventualmente, à medida que se vai afastando do Sol, o cometa tornar-se-á de novo “invisível” no céu nocturno. Em Abril o cometa C/2011 L4 PANSTARRS só será visível através de telescópios. Entre 2 e 3 de Abril o cometa vai passar muito próximo da galáxia Andrómeda. Em meados de Abril o cometa tornar-se-á circumpolar no hemisfério norte (será visível durante toda a noite) e em finais de Abril passará pela constelação Cassiopeia (mesmo na zona do “W”).
 
 “Os cometas brilhantes são um acontecimento raro e geralmente não sabemos quando virá o próximo [cometa]” avisa  Mark Bailey, Director do Observatório de Armagh na Irlanda do Norte, Reino Unido.”Quer seja um astrónomo amador com experiência ou apenas esteja interessado, o cometa C/2011 L4 PANSTRARRS merece bem uma 'olhadela'”.
 
Alan Fitzsimmons, da Queen´s University em Belfast, Irlanda do Norte e um dos líderes do projecto PanSTARRS concorda: “embora tenhamos descoberto muitos cometas como telescópio [PanSTARRS], o cometa C/2011 L4 PANSTARRS é até agora o único passível de ser visível a olho nu. Os cometas bodem ser muito belos e esta razão é suficiente para se fazer um esforço para os observar.”
 
 
Fontes: