Recorrendo a linhas
ou barras, números e letras, cada gráfico explica um acontecimento, um fenómeno
ou uma tendência. Por vezes os gráficos trazem más notícias, outras vezes
esperança e um futuro promissor. Mas um gráfico conta sempre algo novo, que
desconhecíamos. Eis um exemplo.
Este simples gráfico
conta a história de uma dança que se pensa seguir sempre os mesmos passos. Dois
buracos negros, presos no abraço da gravidade, orbitam um em torno do outro,
cada vez mais depressa até que se unem. Seja qual for a sua massa, o final da
dança é sempre o mesmo: um único buraco negro, maior e mais massivo, e estático
no espaço-tempo.
No gráfico são
as ondas gravíticas geradas pelo par dançante que contam a história. Segundo a
teoria da relatividade geral qualquer astro movendo-se no espaço-tempo, emite
ondas gravitacionais, tal qual um barco movendo-se num lago. A amplitude e a
frequência das ondas gravitacionais dependem do tipo de movimento do astro e da
sua massa. Mas até as ondas emitidas pelos buracos negros mais massivos, os
astros mais “pesados” de todo o Cosmo, não têm amplitudes maiores que o
diâmetro de um simples átomo quando finalmente atingem a Terra.
Até hoje esta diminuta
amplitude das ondas gravitacionais tem impedido a sua detecção por qualquer
instrumento feito pelo Homem. Por isso este gráfico não se baseia em dados
reais, nem em qualquer observação real. Não, não, este é um gráfico
inteiramente gerado por computador. Perceber como foi possível faze-lo exige um
pouco de teoria.
Segundo a
relatividade geral, apresentada por Albert Einstein faz agora um século, os
astros influenciam a estrutura do espaço-tempo. Quanto maior a massa do astro,
maior a curvatura que o astro impõe ao espaço-tempo. E a estrutura do
espaço-tempo, curvada pela influência dos astros, também determina como estes
se movem.
A gravidade é essa
curvatura criada pelos astros no espaço-tempo. A gravidade explica que os
astros se atraiam entre si, gerando uma dança com regras fixas que dependem do
número de “dançarinos” que nela “participam”. A “dança” mais simples é a de um
par de astros, chamado sistema binário. Quando um dos astros tem muito mais
massa que o outro, o primeiro fica quase que estacionário, orbitando o segundo
à sua volta. Mas quando os astros têm uma massa semelhante, os dois orbitam em
torno de um ponto comum.
O gráfico da “dança” de dois buracos negros pode ser dividido em três partes distintas, descritas pelas palavras inglesas inspiral, merger, e ringdowm.
No início os
buracos negros encontram-se orbitando em torno de um ponto comum. Esta é a fase
inspiral. O movimento dos buracos
negros no espaço-tempo gera ondas gravitacionais, que transportam consigo
energia tirada ao sistema binário. Esta perda de energia é compensada pela
diminuição progressiva da distância entre os dois buracos
negros. Quanto mais perto se encontram um do outro, mais depressa se movem.
Lentamente a
amplitude e a frequência das ondas gravitacionais aumentam, até que a distância
entre os dois buracos negros é nula. É nessa fase, chamada merge, que os buracos negros se “fundem”, criando um só buraco
negro. A amplitude das ondas aumenta primeiro e depois diminui, sempre em passo
acelerado.
Por fim resta um
buraco negro solitário, a soma dos dois buracos negros originais. Inicialmente
está muito distorcido, mas rapidamente essa distorção desaparece até o buraco
negro estabilizar e ficar estacionário no espaço-tempo. Enquanto estabiliza, o
novo buraco negro emite as últimas ondas gravitacionais. Nesta fase a amplitude
das ondas gravitacionais é semelhante à do som de um sino que deixa de ser
badalado: cada vez menor, até ser nula. Dai o nome, ringdown (palavra que se refere ao desvanecer do som de um sino
após o toque). Estacionário no espaço-tempo, o buraco negro não emite mais
ondas gravitacionais.
Nesta “dança” a amplitude
e a frequência das ondas gravitacionais dependem da massa de cada buraco negro.
Quanto maior a massa dos buracos maior também a amplitude. Neste gráfico os
buracos negros têm a mesma massa. Buracos negros de massas diferentes criariam
ondas gravitacionais ligeiramente diferentes, mas o padrão (as três fases)
seria o mesmo. No limite, se um dos buracos negros tivesse uma massa muito
maior que o outro, as ondas gravitacionais teriam uma amplitude muito pequena,
quase nula, como se mostrasse apenas um buraco negro estático.
Falta explicar
um pequeno sinal no gráfico, ainda antes da fase inspiral. Este pequenino “alto” é uma consequência da informação
necessária para o super-computador poder “desenhar” o gráfico. Em princípio
dois buracos negros sozinhos deveriam começar a “dançar” a uma distância
infinita, porque a gravidade também atua a distância infinita. Mas, mesmo para
um super-computador, demoraria uma eternidade a terminar tais cálculos. É
preciso portanto escolher a distância a que os buracos negros se encontram um
do outro quando o gráfico “começa a seguir a sua “dança”. Conforme este valor
assim será a posição e a amplitude do sinal inicial.
E ainda assim,
escolhido um início para esta “dança”, o super-computador demora um ano inteiro
a criar o gráfico. Resta agora encontrar um caso real, um dança entre dois
buracos negros algures no Universo, tentar detectar as ondas gravitacionais
geradas pelo par dançante e confirmar se o gráfico “está certo”.
Nota: Este artigo não teria sido possível sem a colaboração do Dr. Vitor Cardoso, Investigador Principal do Grupo Gravitation in Técnico (GRIT), do Centro Multidisciplinar de Astrofísica(CENTRA), Instituto Superior Técnico. O DR. Cardoso também forneceu as figuras presentes no post.
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