quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Como fazer uma bomba atómica em casa.


Em 2001, no pico da guerra contra o terrorismo, foi feita uma descoberta inquietante. Numa rusga feita a um centro de recrutamento de talibãs em Cabul, foi encontrado, escondido entre outros papéis, um artigo com instruções sobre como fazer uma bomba atómica.

A notícia foi reportada com pompa e circunstância por um repórter da BBC, que leu trechos do artigo in loco, e o pânico instalou-se entre as hostes aliadas. Especialistas americanos e ingleses foram forçados a emitir comunicados oficiais, referindo o quão improvável seria para Bin Laden e para os seus fazer uma bomba atómica.

Uma análise mais cuidada revelou a origem das instruções para a produção da bomba caseira. O artigo original era, nem mais nem menos, que um velhinho artigo de 1979 chamado Let´s make a termonuclear device, do The Journal of Irreproducible Results (TJIR). E todos puderam respirar de alívio.

Os cientistas sabem fazer humor, incluivé em tempo de guerra. Em Março de 1979, em plena guerra fria, o Supremo Tribunal de Justiça dos Estados Unidos decidiu impedir a publicação, em revistas e jornais, de artigos que apresentassem detalhes relativos à construção de uma bomba atómica.

A decisão do Supremo Tribunal de Justiça chocou a comunidade científica. A mesma chamou a atenção para o facto de a decisão do tribunal ser redundante, na medida em que todas as informações necessárias para construir uma bomba atómica se encontram disponíveis em bibliotecas públicas norte-americanas. O acesso a estas informações sempre foi, portanto, gratuito.

Pouco tempo depois apareceu um artigo na revista The Journal of Irreproducible Results, que apresenta artigos dedicados a temas mais ou menos polémicos, tratados com humor cáustico. O autor do artigo Let´s make a termonuclear device apresenta um receita para a construção de uma bomba atómica caseira, feita em 10 simples passos.

O objectivo original do artigo foi conseguido: Por mais simples que possa parecer a produção de uma bomba atómica, a sua produção em massa é impossível! Para começar não seria possível “arranjar” o material necessário (50 kg de plutónio, 100kg de TNT, o invólucro em forma de bola, etc.). Para além disso o manuseamento de material radioactivo (50 kg inteirinhos de plutónio!!) é fatalmente prejudicial para a saúde de qualquer um.

Uma bomba atómica é super instável. Ninguém quererá dormir ao pé de uma, quanto mais fabrica-la. E como a informação necessária para fabricar uma bomba é acessível a todos (pelo menos a todos que saibam ler textos escritos em inglês) não vale a pena proibir a divulgação de artigos sobre este assunto.

Seriam os ocupantes do centro de recrutamento de Cabul, descoberto em 2001, possuidores do mesmo nível de humor que o autor do artigo da TJIR? Provavelmente não existirá jamais resposta a esta questão. Mas o artigo Let´s make a termonuclear device provou manter-se actual, resistindo ao teste do tempo.

P.S.: Recomenda-se a leitura do artigo original em inglês. É awesome!

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Construindo a tabela periódica: o início.

No decorrer do século XIX foram sendo descobertos muitos dos elementos químicos conhecidos actualmente. Ainda muito cedo vários cientistas verificaram que alguns elementos apresentavam propriedades físicas e químicas semelhantes entre si. Esses elementos foram sendo “agrupados” em grupos como o grupo dos metais alcalinos e o grupo dos halogéneos. O primeiro cientista a constatar que é possível estabelecer grupos de elementos com propriedades físicas e químicas semelhantes foi Johann Wolfgang Döbereiner (1780-1849).

Na década de 1860, quando já era conhecido com algum pormenor a massa atómica relativa de vários elementos, alguns cientistas verificaram que se os elementos fossem organizados segundo a sua massa atómica era observada uma periodicidade. Separados por um número certo e constante de elementos encontravam-se elementos pertencentes ao mesmo grupo.

Os cientistas que apresentaram os trabalhos mais pertinentes foram Alexandre-Emile Béguyer de Chancourtois (1820-1886), John Newlands (1837-1898), Lothar Meyer (1830-1895) e Dmitri Mendeleiev (1834-1907). Estes cientistas apresentaram os seus resultados de forma independente, sem se aperceberem que outros já tinham apresentado conclusões semelhantes. Também propuseram esquemas de organização dos elementos.

Ao princípio os trabalhos destes cientistas não foram bem recebidos pela comunidade científica da época. As críticas apresentadas pelos químicos mais proeminentes foram severas e, para Béguyer de Chancourtois e Newlands devastadoras. A Newlands foi recusada a publicação de um artigo sobre o seu trabalho. O artigo publicado por Chancourtois não apresentava o esquema por si proposto para a organização dos elementos, tornando o texto incompreensível.

Newlands, Meyer e, principalmente Mendeleiev construíram os seus esquemas deixando espaço para novos elementos que na altura ainda não tinham sido isolados. Mendeleiev chegou a descrever as propriedades físicas e químicas dos elementos desconhecidos. Inicialmente isso foi considerado uma temeridade (como poderia ser possível prever as propriedades de um elemento não descoberto). Mas a descoberta e estudo dos elementos previstos por estes três cientistas comprovaram a veracidade das suas tabelas.

Foi a descoberta do escândio, do gálio e do germânio, os três elementos previstos e detalhadamente descritos por Mendeleiev, que comprovou a superioridade do seu esquema de organização este elementos, a que actualmente se dá o nome de Tabela Periódica.

Série da tabela periódica: Apresentação.

A tabela periódica dos elementos químicos parece ter surgido do nada, movida por regras misteriosas que ordenam a posição dos elementos químicos por períodos e grupos. Dos cientistas que contribuíram para a sua construção e desenvolvimento apenas Dmitri Mendeleiev (1834-1907) é famoso.

Partindo à aventura, resolvi conhecer melhor a história da tabela periódica. Navegando pela net e consultando alguns livros descobre-se que esta é uma história fascinante, cheia de personagens com as suas particularidades. Tem uma trama sólida e complexa. Têm comédia e tragédia. Tem tudo o que é necessário para o enredo de um bom filme. Só é pena se encontrar maioritariamente descrita em inglês (mas já agora ver aqui).

Tão complexa é a história do desenvolvimento da tabela periódica que se torna difícil apresenta-la num único texto. Descrever todos os actores principais e a sua contribuição resulta num texto comprido. Dividindo-o em fascículos, espero tornar a sua leitura mais fácil e divertida. Assim resulta a Série da Tabela Periódica, a que dou início hoje.

domingo, 11 de outubro de 2009

Misteriosa névoa azul.

As folhas de todas as plantas, principalmente as das árvores, produzem e emitem uma série de compostos orgânicos, que são indirectamente responsáveis pela formação de uma ténue névoa azul em florestas espalhadas por todo o planeta.

Uma vez na atmosfera, as moléculas orgânicas emitidas pelas folhas reagem com moléculas oxidantes, formado-se vários produtos, alguns dos quais têm capacidade para se agregar em partículas de tamanho considerável (3 – 30 nm). Em conjunto estas partículas formam um aerossol levemente azulado, chamado névoa azul. A figura em baixo mostra uma imagem de névoa azul nas Great Smoky Mountains, nos Estados Unidos da América (fonte: Wikipedia), onde este fenómeno é frequente.


A névoa azul tem uma acção muito importante no clima da Terra. As partículas da névoa azul têm capacidade para dispersar a luz solar, contribuindo localmente para diminuição da temperatura ambiente. As partículas da névoa azul têm também capacidade para incentivar a formação de nuvens, podendo ainda influenciar os valores de pluviosidade.

Um artigo da PNAS, colocado online no dia 7 de Outubro, conclui que a presença de ácido sulfúrico na atmosfera incentiva a formação das partículas da névoa azul. O ácido sulfúrico resulta de reacções químicas envolvendo compostos de enxofre, que ocorre na atmosfera. Este facto é muito importante visto que actualmente o homem é o principal responsável pela emissão para a atmosfera de compostos de enxofre, nomeadamente pela queima de combustíveis fósseis (gasolina, gasóleo, carvão, etc.). Mais ainda o artigo refere que a formação da névoa azul não é fácil sem a presença de compostos de enxofre.

Desde meados do século XX que se sabe que os compostos de enxofre são responsáveis pela formação de chuvas ácidas (também via formação de ácido sulfúrico). A comunidade internacional desenvolveu uma série de protocolos de forma a diminuir os níveis de emissão destes compostos. Em especial nos países da Comunidade Europeia ocorreu uma diminuição significativa da emissão de compostos de enxofre. Espera-se que o artigo da PNAS e novos artigos sobre a formação da névoa azul e a sua influência no clima reforcem a sensibilização, a nível mundial, para a importância da diminuição de emissão de compostos de enxofre.

domingo, 4 de outubro de 2009

A diferença está na dose!

A gripe espanhola de 1918-1919 é considerada a mais grave pandemia de gripe do século XX. Estima-se que pelo menos um terço da população mundial foi afectada, tendo morrido perto de 50 milhões de pessoas. Esta situação levou por vezes a medidas drásticas. Uma análise publicada online na revista Clinical Infectious Diseases (CID) refere-se a uma dessas medidas, a prescrição de doses excessivas de aspirina aos doentes.

A aspirina é um medicamento versátil, que faz diminuir a febre e o grau de dor física, sendo utilizada com sucesso do tratamento de inflamações. Foi sintetizada pela primeira vez em 1897 e no princípio do século XX já era largamente utilizada na Europa e Estados Unidos da América. No entanto a forma de actuação da aspirina só foi esclarecida totalmente em 1971 (o cientista John Vane recebeu o prémio nobel em 1982 por este facto).

Actualmente o valor máximo de aspirina recomendado é de 150 mg/kg por dia, correspondente a 7,5 g de aspirina para uma pessoa com 50 kg. O site oficial da Bayer recomenda, para um adulto, um valor diário máximo inferior a 4 g (correspondente a 8 comprimidos de 500 mg), repartido por tomas espaçadas entre 4 a 8 horas. Mas segundo o artigo da CID, no outono de 1918, no pico da pandemia de gripe, os doentes podiam tomar doses diárias que variavam entre 8,0 g e 31,2 g.

Karem Stako, autor do artigo, refere que as doses administradas em 1918 seriam suficientes para provocar dificuldades respiratórias em um terço dos doentes e que 3% dos doentes a que foi ministrado aspirina em excesso terá, muito provavelmente, desenvolvido edema pulmonar. Ambas estas situações clínicas contribuem para o agravamento do estado do doente, que se torna mais susceptível a infecções bacterianas (a aspirina não é um antibiótico), podendo, por si só, provocar a morte.

Tomar aspirina não é perigoso se for seguida a prescrição do médico e a informação fornecida com cada embalagem, que refere as doses recomendadas pelo fabricante, as contra-indicações e possíveis efeitos secundários. Mas o artigo de Stako, embora referindo-se a um caso extremo de medidas tomadas durante uma pandemia, vem uma vez mais lembrar-nos que, antes de decidirmos tomar qualquer medicamento, devemos consultar um médico e ler a informação incluída na caixa.

sábado, 3 de outubro de 2009

Cabeças de chuveiro insuspeitas.

Uma equipa de investigadores da Universidade do Colorado, nos Estados Unidos da América investigou 45 cabeças de chuveiro de casas de banho públicas e privadas espalhadas por sete cidades norte-americanas e descobriu que 30% destas peças contêm colónias de Mycobacterium avium. Os resultados são apresentados num artigo da PNAS.

A M. Avium vive em biofilmes, uma espécie de película aderente que se pode formar sobre todo o tipo de superfícies e que pode albergar diferentes colónias de bactérias. Quando se desenvolvem biofilmes nas zonas de saída de água dos chuveiros as bactérias podem arrastadas pela água. Minúsculas gotas de água contendo bactérias podem manter-se suspensas no ar e ser inspiradas.

Em geral a M. Avium é inofensiva. No entanto em pessoas com um sistema imunitário mais debilitado, como os idosos e as grávidas, esta bactéria que pode eventualmente promover o desenvolvimento de doenças respiratórias.

A investigação realizada pelo grupo da Universidade do Colorado utiliza um método inovador para identificar microorganismos presentes em qualquer superfície desenvolvido na década de 1990 por Norman Pace, responsável do grupo. Tal qual equipa de CSI, a equipa faz um esfregaço da superfície a estudar e depois faz uma análise de DNA, que é comparada com o DNA conhecido para diferentes bactérias.

Como evitar então a infecção por M. avium ao tomar duche? É impossível proteger-nos a 100% mas certos procedimentos diminuem o risco. Pace refere que, antes de iniciar o duche, se deve deixar correr água por sensivelmente um minuto. Para além disso é preferível a utilização de cabeças de chuveiro de metal, porque nestas não se formam biofilmes tão facilmente como nas cabeças de plástico. E se vir resíduos nas cabeças de chuveiro troque-as. Os resíduos são indicação da existência de biofilmes instalados.

Nota: a fonte deste poste explica o trabalho realizado pelo grupo de investigação da Universidade do Colorado a apresenta um filme.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Terra à vista?

Tal qual modernos descobridores navegando por mares desconhecidos, os estudiosos da física de partículas, um ramo da Física que estuda a estrutura e organização das partículas subatómicas, procuram alcançar a Ilha de Estabilidade, o derradeiro prémio. Mas a existência e localização desta ilha, constituída por elementos “superpesados” (cujos átomos possuem bem mais de 100 protões), ainda é incerta.

Desde que Dalton propôs o primeiro modelo de átomo que se tem estudado a sua estrutura e organização. Vários modelos propostos depois, é conhecida a forma como, no átomo, os electrões se movimentam em torno do núcleo. Do núcleo do átomo também se conhece a composição em protões e neutrões. Mas quanto à organização dos neutrões e neutrões... Estamos nas fronteiras do conhecimento que mais interessam aos físicos de partículas.
O estudo de elementos químicos radioactivos determinou que existem dois factores que condicionam a estabilidade do núcleo atómico. Quanto maior o número de protões no núcleo menos estável é, maior a probabilidade de fissão nuclear. Mas a relação entre o número de protões e o número neutrões também é importante. Mesmo elementos com poucos protões (ou seja com um baixo número atómico) apresentam átomos radioactivos se a relação entre protões e neutrões não for correcta.

Na década de 1970 apareceram os primeiros modelos propostos para a organização no núcleo do átomo baseados em equações matemáticas. Estes modelos propõem a existência de uma Ilha de Estabilidade, um conjunto de átomos cuja conjugação de um número certo de protões e de neutrões cria um núcleo suficientemente estável para sobreviver mais do que alguns minutos. A Ilha de Estabilidade situa-se no meio de um mar de instabilidade, constituído por todos os átomos com um núcleo que não consegue ser estável por ter a conjugação errada de protões e neutrões.



Claro que nem sempre a teoria prediz de forma fiável a realidade. Segundo os modelos propostos para a organização do núcleo do átomo o elemento 114 (chamado assim por ter 114 protões) devia constituir a ponta da Ilha da Estabilidade. Mas estudos recentes (Setembro de 2009) revelaram que os dois átomos de elemento produzidos no Lawrence Berkeley National Laboratory (situado na Califórnia, Estados Unidos da América) se desintegraram em menos de um segundo, tempo insuficiente para que se possa considerar o elemento 114 como um componente da mítica ilha.

Mas os físicos de partículas não desanimam. À medida que mais informação é recolhida, mais se conhece sobre o núcleo dos átomos e a sua estrutura. Os modelos propostos para a organização do núcleo do átomo têm sido revistos, de forma a estarem de acordo com e/ou preverem os resultados obtidos experimentalmente. Até ver estes modelos continuam válidos e os físicos de partículas poderão continuar à procura da Ilha de Estabilidade.

Nota: a figura da Ilha de Estabilidade foi adaptada a partir desta figura (fonte wikipedia.en).