sexta-feira, 20 de março de 2015

Quantas Terras existem na Via Láctea?


Estaremos sozinhos no Universo? Será a Terra o único planeta habitado e habitável na Via Láctea? Quão comuns são os planetas com possibilidades de vida? Foi em parte para responder a estas questões que em 2007 a NASA lançou a sonda Kepler. Desde então e não sem percalços, a Kepler tem sido a maior responsável pela descoberta de exoplanetas: 1000 planetas confirmados no início de 2015 e mais de 4000 candidatos à espera de confirmação.

A maioria dos planetas descobertos pela Kepler não parece ser propícia à vida como a conhecemos. Muitos são planetas gasosos e não rochosos como a Terra. São também maiores que o nosso planeta e estão no local errado, demasiado próximos ou demasiado distantes da estrela mãe para permitir a condição considerada primordial para a vida: água no estado líquido.

A descoberta de tantos planetas, num espaço tão curto (a Kepler analisa uma muito pequena parte da Via Láctea, situada entre as constelações de Cisne, Dragão e Lira, ver figura à esquerda) traz esperança aos astrónomos. Mas a própria forma como a Kepler “actua” para detectar planetas (o método de trânsito) leva a que lhe seja mais fácil encontrar planetas grandes e muito próximos da estrela mãe. Existem no entanto formas de tentar ultrapassar este problema e descobrir exoplanetas mais pequenos e mais distantes, “invisíveis” ao escrutínio da Kepler a partir dos próprios dados desta sonda. Uma delas é o recurso à Lei de Titius-Bode.

A Lei de Titus-Bode descreve a distância ao Sol de sete dos oito planetas do sistema solar (Neptuno é a excepção). Em 1766 o astrónomo alemão Johann Daniel Titius (1729 – 1796) propôs a existência de uma razão entre estas distâncias, descrita por uma série (sequência) de números: 0, 3, 6, 12, 24, 48, 96, 192, … . Quando se soma 4 a cada número desta série e se divide por 10 obtém-se os valores do semi-eixo maior das órbitas dos planetas: 0,4; 0,7; 1,0; 1,6; 2,8; 5,2; 10,0; 19,6 (em UA, unidades astronómicas).

A Lei de Titus-Bode foi popularizada em 1772 por um outro astrónomo alemão, Johann Elert Bode (1747 –1826) e levou à descoberta do planeta anão Ceres em 1801 e da cintura de asteroides (que se encontram a 2,8 UA do Sol). Quando em 1781 foi descoberto Úrano rapidamente se confirmou que também este planete segue a Lei de Titus-Bode.

Ainda hoje não se sabe o que está por detrás da Lei de Titus-Bode. Mas o estudo dos sistemas estelares identificados pela Kepler indicia que esta não é uma simples coincidência. Vários estudos publicados na década de 2010 demostram que pelo menos 124 dos 151 sistemas estelares com entre 3 e 6 planetas descobertos pela Kepler seguem a Lei de Titus-Bode. Este facto permite que esta lei possa ser usada para prever a existência de outros planetas nestes sistemas, tal como aconteceu com Ceres e Neptuno.

Um estudo agora publicada pela revista Monthly Notices of the Royal Astronomical Society usa a Lei de Titus-Bode para estudar os 151 sistemas estelares descobertos pela Kepler. Os autores do estudo pensam que será possível encontrar até 228 novos planetas nestes sistemas. Esperam também que no futuro seja possível estudar directamente 40 sistemas estelares para descobrir 77 planetas até agora “invisíveis”. Baseados nos seus cálculos, os astrónomos defendem que poderão existir em média entre 1 e 3 planetas na zona habitável (zona onde os planetas poderão ter água no estado líquido) dos 151 sistemas em causa.

A sonda Kepler estuda um ínfimo das 100 a 400 milhões de estrelas que se pensa existirem na Via Láctea. A ser verdade que tantas dessas estrelas têm o seu próprio sistema solar, com entre 1 a 3 planetas com água no estado líquido é então possível que não estejamos sós no Universo. É bem provável até que tenhamos companhia na nossa galáxia.


Crédito das figuras:
    1) NASA/JPL-Caltech
    2) Carter Roberts / Eastbay Astronomical Society