sábado, 11 de fevereiro de 2012

Os últimos momentos de um cometa kamikaze

A revista Science de 20 de Janeiro apresenta o estudo de um cometa cuja órbita o aproximou demasiado do Sol, provocando a sua desintegração. O fenómeno foi registado a 6 de Julho 2011 pela sonda SDO (Solar Dynamics Observatory), que estuda os fenómenos solares e o seu impacto na Terra.


O fenómeno foi primeiro detectado na análise da figura anterior, uma fotografia especial chamada coronógrafo, tirada por uma das câmaras do instrumento LASCO, da sonda SOHO (Solar and Heliospheric Observatory). Nela é possível ver o cometa, chamado C/2011 N3, à direita do Sol, pouco tempo antes de desaparecer na corona solar a 6 de Junho de 2011. O círculo branco representa a superfície do Sol (Crédito: SOHO (ESA & NASA)).

O cometa C/2011 N3 pertence à família de cometas Kreutz, uma família de cometas rasantes (cometas que passam muito perto do Sol no periélio). Estes cometas têm um brilho muito fraco quando comparado com o Sol e até hoje a sua descoberta (e estudo) tem sido feita recorrendo ao LASCO, um instrumento instalado na sonda SOHO que estuda a corona solar (atmosfera solar exterior). Mas o C/2011 N3 é, até hoje, um dos 15 cometas mais brilhantes registados pela sonda SOHO, que desde 1996 observou mais de 2 100 cometas.

A figura seguinte apresenta uma sequência de pequenas fotografias do comenta C/2011 N3 tiradas pela sonda SDO quando o cometa se encontrava já na atmosfera solar. As fotografias do cometa encontram-se sobrepostas sobre uma fotografia do Sol, indicando a localização do cometa e hora a que cada fotografia foi tirada. A trajectória do cometa è indicada pelo tracejado (Crédito: SDO /K. Schrijver et all, Science).


O cometa C/2011 N3 foi grande e brilhante o suficiente para ser visível nas câmaras da SDO. A sonda captou 20 minutos do movimento do cometa, os seus momentos finais, em fotografia e em filme. O cometa penetrou no interior da atmosfera solar, seguindo uma linha perpendicular ao Sol, até cerca de 97.000 km da superfície solar (cerca de 0,073 vezes o diâmetro do Sol) antes de “desaparecer”.

O filme seguinte foi captado pelo instrumento AIA da sonda SDO a 6 de Julho de 2011. O cometa, um traço quase invisível, aparece da direita e parece pulsar (o brilho do cometa parece variar periodicamente) algumas vezes antes de desaparecer. Os investigadores pensam que isto é uma consequência do núcleo do cometa se ter fragmentado no seu caminho pela atmosfera solar. O fenómeno foi utilizado para determinar indirectamente a massa do cometa (Crédito: SDO/NASA).



Até hoje só era possível determinar as dimensões e massa do cometa enviando uma sonda para o seguir. Mas o filme da breve passagem do cometa pela atmosfera solar permitiu calcular estas características do cometa, e também a sua composição, através da análise do tempo e espaço percorrido pelo cometa desde que entrou na atmosfera solar até se ter desintegrado.

A informação recolhida pelo SDO permitiu determinar que o cometa C/2011 N3 teria um diâmetro entre 45 metros e 90 metros e uma massa de sensivelmente 100.000 toneladas, antes de entrar na atmosfera solar a uma velocidade próxima de 645 km/s. O cometa fragmentou-se em pedaços com dimensões entre 45 m e 10 m, que se mantiveram, invisíveis, no interior do coma do cometa (uma nuvem de gelo, gás e poeiras). O coma do cometa tinha um diâmetro de quase 1.300 km, e uma cauda que se estendia por mais de 16.000 km.

O estudo de cometas rasantes como o C/2011 N3 pode tornar-se ainda mais importante. Os investigadores acreditam que a sua passagem pelo Sol pode fornecer informações muito importantes sobre a constituição e a dinâmica da atmosfera solar, a constituição do vento solar e ainda sobre o campo magnético solar. Como? Estudando o que acontece à atmosfera solar quando o cometa a atravessa.

O ponto de entrada do cometa C/2011 N3, a atmosfera superior solar, é uma zona de difícil estudo por ser tão menos brilhante que o Sol que a sua luz é “eclipsada” pela luz do astro. É também a zona onde se forma o vento solar, constituído por iões expelidos pelo Sol em todas as direcções. A desintegração do cometa (constituído principalmente por água e gases dissolvidos) provoca alterações da constituição dessa zona da atmosfera solar, que podem ser estudadas. Com é conhecida a constituição do cometa (materiais que compõem o cometa) antes da sua entrada na atmosfera é possível comparar com as alterações provocadas pela entrada do cometa na atmosfera solar e desta forma conhecer melhor a sua constituição.

Quando o cometa C/2011 N3 entrou na atmosfera solar, a temperatura do núcleo do cometa subiu até aos 500 000 K (quase o mesmo em graus célsius), tornando-o “visível” nas câmaras de ultravioleta do SDO. A esta temperatura o núcleo do cometa sublimou (passou de sólido a gás) e os átomos e moléculas presentes no gás tornaram-se iões, tornando o gás sensível ao campo magnético do Sol. Como a cauda do cometa também é constituída pelos iões do gás libertado pelo cometa, o campo magnético do Sol fez a cauda oscilar rapidamente para cima e para baixo. A interacção da cauda do cometa com o campo magnético do sol também poderá fornecer mais informações sobre o vento solar.



Notas:

(1) Os cometas da família Kreutz foram estudados pela primeira vez pelo astrónomo alemão Heinrich Kreutz (1854–1907). Para este astrónomo os cometas Kreutz são os fragmentos de um grande cometa que se desintegrou há centenas de anos atrás aquando da sua passagem pelo Sol. A figura seguinte é uma fotografia tirada ao “grande cometa de 1886”, um cometa da família de Kreutz que, durante dois dias, foi também visível de dia (Crédito: Sir David Gill).


Actualmente a sonda SOHO detecta em média um cometa da família de Kreutz a cada 3 dias. Pensa-se que os outros cometas rasantes tiveram origens semelhantes aos cometas da família Kreutz.

(2) Em finais de Novembro de 2011, pela primeira vez em 40 anos, um cometa da família Kreutz foi descoberto a Partir da Terra. O cometa Lovejoy recebeu o nome do seu descobridor, o astrónomo amador australiano Terry Lovejoy e alegrou as noites quentes de Dezembro no hemisfério Sul (onde agora é Verão). Contrariando o futuro funesto dos seus “irmãos”, o cometa Lovejoy passou a menos de 200 000 km da superfície do Sol e sobreviveu. Os seus passos foram seguidos pelas sondas SOHO e SDO. Espera-se para breve a publicação de artigos científicos apresentando os resultados do estudo da passagem do cometa Lovejoy pelo SolA figura seguinte é uma figura tirada do espaço, da Estação Espacial que orbita a Terra (Crédito: Dan Burbank / NASA).

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