Passado pouco mais de ano e meio do terramoto e marmoto do Japão, que provocaram o desastre nuclear de Fukushima, a limpeza da central segue lentamente devido ao material radioactivo que ainda se encontra espalhado pelos reactores. Mas um grupo de investigadores dos Estados Unidos apresenta um novo método para determinar o estado dos reactores da Central Nuclear e localizar o material perigoso, que pode acelerar e tornar mais segura a tarefa de limpeza. O método utiliza os muões, uma espécie de “irmão” mais pesado dos electrões, para obter uma radiografia do interior dos reactores. O grupo publicou um artigo sobre este método na edição de 11 de Outubro da revista Physical Review Letters (PRL).
A figura seguinte apresenta uma fotografia aérea tirada a 20 de Março de 2011, nove dias depois do terramoto e tsunami que assolaram o Japão a 11 de Março. Só um dos quatro reactores (o reactor 3, segundo á direita) parece estar intacto. (Crédito: AP).
Na Terra os muões resultam de raios cósmicos. Os raios cósmicos são compostos por protões que viajam a grandes velocidades no espaço e a sua origem não é ainda totalmente conhecida. Quando estes protões interagem com a atmosfera terrestre formam-se várias partículas novas, entre as quais muões. Os muões formados desta forma têm velocidade suficiente para atravessar várias camadas de material. Tal como acontece com os raios X, é possível tirar uma espécie de radiografia de muões, que permite “ver” o interior de edifícios.
O grupo que publicou o estudo da PRL tem estudado desde 2001 a radiografia de muões para determinar se um contentor contém material radioactivo. O objectivo inicial era (e ainda é) identificar tentativas de contrabando deste material, que pode ser utilizado num ataque terrorista. A radiografia de muões permite identificar facilmente o urânio e outros elementos pesados (como o plutónio), radioactivos ou não. E assim permite localizar as zonas dos reactores onde se encontra o material radioactivo no interior dos reactores de Fukushima, sem ser necessário recorrer a mão-de-obra humana, robots ou outros instrumentos.
O estudo apresentado pela PRL foi feito recorrendo a um modelo matemático teórico. O modelo matemático foi aplicado a diferentes situações, quanto ao estado do reactor e à existência de material radioactivo. Também foram considerados quatro tempos diferentes de exposição das radiografias. Os resultados são animadores. Após 4 horas de exposição é possível localizar grandes quantidades de material radioactivo na radiografia. Uma radiografia com 6 semanas de exposição permite identificar a localização de pequenas quantidades deste material.
Os autores do estudo consideram que é agora possível fazer experiências “reais” na central de Fukoshima, utilizando a radiografia de muões. O método pode ser explicado através da figura seguinte. São colocados dois detectores de muões (que correspondem às chapas de radiografia) em duas paredes opostas dos reactores. Esta localização permite determinar a trajectória dos muões antes de penetrarem no reactor (placa verde em cima à direita) e depois de passarem pelo reactor (placa verde em baixo à esquerda). Os detectores são colocados no exterior do edifício para minimizar o tempo de exposição dos operários que procedem a sua colocação (Crédito: Borozdin et al/ PRL).
Quando um muão atinge o núcleo de um átomo, é reflectido pelos protões do núcleo, e a sua trajectória muda. Quanto maiores os núcleos atómicos e quanto maior o número de vezes que o muão é reflectido, maior a alteração da sua trajectória. Os elementos pesados são aqueles com maior número de protões no núcleo atómico, logo são aqueles que provocam maior alteração da trajectória dos muões. Elementos pesados como o uranio e o plutónio tornam-se assim “visíveis”, como os ossos numa radiografia de raios-X. Este método tem ainda a vantagem de obter imagens a três dimensões.