segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Uma radiografia muito especial para Fukushima

Passado pouco mais de ano e meio do terramoto e marmoto do Japão, que provocaram o desastre nuclear de Fukushima, a limpeza da central segue lentamente devido ao material radioactivo que ainda se encontra espalhado pelos reactores. Mas um grupo de investigadores dos Estados Unidos apresenta um novo método para determinar o estado dos reactores da Central Nuclear e localizar o material perigoso, que pode acelerar e tornar mais segura a tarefa de limpeza. O método utiliza os muões, uma espécie de “irmão” mais pesado dos electrões, para obter uma radiografia do interior dos reactores. O grupo publicou um artigo sobre este método na edição de 11 de Outubro da revista Physical Review Letters (PRL).
 
A figura seguinte apresenta uma fotografia aérea tirada a 20 de Março de 2011, nove dias depois do terramoto e tsunami que assolaram o Japão a 11 de Março. Só um dos quatro reactores (o reactor 3, segundo á direita) parece estar intacto. (Crédito: AP).
 
 
Na Terra os muões resultam de raios cósmicos. Os raios cósmicos são compostos por protões que viajam a grandes velocidades no espaço e a sua origem não é ainda totalmente conhecida. Quando estes protões interagem com a atmosfera terrestre formam-se várias partículas novas, entre as quais muões. Os muões formados desta forma têm velocidade suficiente para atravessar várias camadas de material. Tal como acontece com os raios X, é possível tirar uma espécie de radiografia de muões, que permite “ver” o interior de edifícios.
 
O grupo que publicou o estudo da PRL tem estudado desde 2001 a radiografia de muões para determinar se um contentor contém material radioactivo. O objectivo inicial era (e ainda é) identificar tentativas de contrabando deste material, que pode ser utilizado num ataque terrorista. A radiografia de muões permite identificar facilmente o urânio e outros elementos pesados (como o plutónio), radioactivos ou não. E assim permite localizar as zonas dos reactores onde se encontra o material radioactivo no interior dos reactores de Fukushima, sem ser necessário recorrer a mão-de-obra humana, robots ou outros instrumentos.
 
O estudo apresentado pela PRL foi feito recorrendo a um modelo matemático teórico. O modelo matemático foi aplicado a diferentes situações, quanto ao estado do reactor e à existência de material radioactivo. Também foram considerados quatro tempos diferentes de exposição das radiografias. Os resultados são animadores. Após 4 horas de exposição é possível localizar grandes quantidades de material radioactivo na radiografia. Uma radiografia com 6 semanas de exposição permite identificar a localização de pequenas quantidades deste material.
 
Os autores do estudo consideram que é agora possível fazer experiências “reais” na central de Fukoshima, utilizando a radiografia de muões. O método pode ser explicado através da figura seguinte. São colocados dois detectores de muões (que correspondem às chapas de radiografia) em duas paredes opostas dos reactores. Esta localização permite determinar a trajectória dos muões antes de penetrarem no reactor (placa verde em cima à direita) e depois de passarem pelo reactor (placa verde em baixo à esquerda). Os detectores são colocados no exterior do edifício para minimizar o tempo de exposição dos operários que procedem a sua colocação (Crédito: Borozdin et al/ PRL).
 
 
Quando um muão atinge o núcleo de um átomo, é reflectido pelos protões do núcleo, e a sua trajectória muda. Quanto maiores os núcleos atómicos e quanto maior o número de vezes que o muão é reflectido, maior a alteração da sua trajectória. Os elementos pesados são aqueles com maior número de protões no núcleo atómico, logo são aqueles que provocam maior alteração da trajectória dos muões. Elementos pesados como o uranio e o plutónio tornam-se assim “visíveis”, como os ossos numa radiografia de raios-X. Este método tem ainda a vantagem de obter imagens a três dimensões.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Na Lua o Sol é uma fonte de água

Um estudo publicado online pela revista Nature Geoscience a 14 de Outubro, comprova que, pelo menos em parte, a origem da água que se encontra na Lua tem “origem” no vento solar. O estudo, feito por investigadores da Universidade do Tennessee e do California Institute of Technology, ambos nos Estados Unidos da América, analisa a água “presa” no rególito lunar.



A figura anterior apresenta uma fotografia de um grão de aglutinado semelhante aos aglutinados de rególito estudados pela equipa de investigadores que apresenta o artigo da Nature Geoscience. Tal como o rególito estudado, este grão foi recolhido por uma missão Apollo (Crédito: Yiang Liu).
 
O rególito é um conjunto de poeira e pedras de dimensão reduzida que resultam da erosão e acção de outros elementos (como mini- meteoritos, na Lua) sobre a rocha. Na Lua o rególito cobre toda a superfície e é constituído parcialmente por aglutinados, pequeninos aglomerados de rocha e minerais fundidos criados por impactos de mini-meteoritos. Os autores do estudo agora publicado consideram que os aglutinados (que constituem cerca de metade do rególito lunar) poderão ser a maior fonte de água para futuras colónias lunares.
 
A criação de colónias na Lua exige que sejam conhecidas e estudadas os materiais existentes neste satélite. A água é fundamental para a sobrevivência humana, pelo que é fundamental conhecer e estudar todas as possíveis fontes de água na Lua. Foram propostas várias fontes para a água da Lua, sendo as mais famosas o impacto de cometas ou de meteoritos e o vento solar. E o estudo da Nature Geoscience comprova que pelo menos parte da água da Lua tem como origem o vento solar.
 
Mas como pode o vento solar “produzir” água? O vento solar é constituído pro protões, electrões e iões. É libertado continuamente pelo Sol para o sistema solar. Mas os protões não são mais do que átomos de hidrogénio que perderam o seu electrão (o átomo de hidrogénio é o átomo mais simples, constituído apenas por um protão e por um electrão). Os protões podem assim reagir com átomos de oxigénio existentes na superfície lunar, formando iões hidroxilo (iões constituídos por um átomo de oxigénio e um átomo de hidrogénio). E para formar uma molécula de água só é preciso “juntar ao ião hidroxilo mais um protão (e dois electrões!).

O artigo da revista Nature Geoscience apresenta os resultados do estudo de rególito recolhido entre 1969 e 1972 pelas missões Apollo 11, Apollo 16 e Apollo 17. As amostras foram analisadas por duas técnicas diferentes, espectroscopia de infravermelho e espectroscopia de massa. Os resultados indicam que a água tem uma composição de isótopos de hidrogénio mais próxima da composição do Sol, do que de cometas ou meteoritos.
 
Com base nos resultados apresentados no estudo da Nature Geoscience, os autores acreditam que o vento solar poderá ser a fonte de água em outros astros do sistema solar, como Mercúrio e o asteroide Vesta.
 
 
Nota: O artigo (resumo) da revista Nature Geoscience pode ser encontrado aqui.