sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Gás limpo a partir de água suja

Todos os dias utilizamos centenas de litros de água. É importante que, depois de usadas e contaminadas, estas águas residuais domésticas e industriais possam retomar ao meio ambiente “limpas”, sem constituírem um perigo para ninguém. Actualmente em Portugal isso é feito pelas Estações de Tratamento de Águas Residuais (ETARs). Mas poderá o tratamento de águas residuais ter outras vantagens? Um grupo de investigadores da Universidade Autónoma de Barcelona defende que sim: É possível produzir electricidade e gás hidrogénio a partir dos resíduos orgânicos das águas residuais.

A ideia de produzir electricidade a partir de águas residuais não é nova. Os compostos orgânicos que contaminam as águas residuais têm um elevado nível de energia química (energia contida nas ligações químicas entre os átomos das moléculas orgânicas) que pode, em princípio, ser transformada em energia eléctrica.  Mas só recentemente apareceram os primeiros sistemas bioeléctricos, sistemas que recorrem a micro-organismos para produção de electricidade ou de gases como o hidrogénio.

Os cientistas do grupo catalão criaram uma célula que recorre a microorganismos para produzir gás hidrogénio, chamada célula electrolítica microbiana (ver figura à esquerda). Esta é uma célula simples, constituída por apenas uma câmara cheia de águas residuais onde estão mergulhados dois eléctrodos. Os eléctrodos estão ligados a um pequeno circuito eléctrico que fornece uma corrente eléctrica com uma tensão de 0,8 V (menos de que uma pequena pilha do comando de televisão).

É num dos eléctrodos da célula electrolítica microbiana, o ânodo, que se dá a magia. O ânodo está coberto por um biofilme com centenas de milhares de bactérias de dois tipos diferentes: Por um lado bactérias fermentadoras, que transformam os resíduos orgânicos em moléculas orgânicas mais simples; por outro lado bactérias exoelectrogénicas,  que usam as moléculas mais simples para “produzir” electrões. Os electrões são depois “recolhidos” pelo ânodo e a corrente eléctrica gerada desta forma é usada para produzir gás hidrogénio.


O grupo de investigadores pretende optimizar estas células electrolíticas e adapta-las, para que possam ser usadas em ETARs na rentabilizar dos resíduos orgânicos. O grupo publicou agora um artigo em que prova a produção abundante de gás hidrogénio a partir de águas residuais ricas em leite (uma mistura de proteínas, açucares e gorduras), e de águas residuais domésticas. 


Os investigadores testaram a célula electroquímica microbiana com quatro tipos de águas residuais: uma constituída principalmente por leite (mistura de proteínas, gordura e açucares, à esquerda), outra constituída principalmente por glicerol (ao centro), amido (principal constituinte de batatas, à direita) e finalmente uma mistura das três primeiras. Apenas o primeiro tipo (leite) e a mistura de águas residuais deram resultados satisfatórios.

De acordo com o grupo de investigadores da Universidade Autónoma de Barcelona, os resultados demonstram que no futuro pode ser possível a adaptação de células electrolíticas microbianas a ETARs, pelo menos a nível das águas residuais domésticas (produzidas em cidades, vilas e aldeias) e das águas residuais da indústria de lacticínios.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Parabéns Alessandro Volta



O Google comemora hoje o 270º aniversário de Alessandro Volta (1745-1827) físico e químico italiano famoso pela invenção da primeira bateria, a chamada pilha voltaica. O logotipo do Google apresenta no seu centro uma pilha voltaica que vai sendo construída com a adição de mais discos metálicos, permitindo que as letras do título “Google” se vão acendendo até todas estarem iluminadas.

Alessandro Giuseppe Antonio Anastasio Volta nasceu em Como, Lombardia, Itália, em 1745, no seio de uma família nobre mas pouco abastada. Apesar de um percurso académico pouco comum (estudou em casa até aos 11 anos e recusou frequentar a universidade) Alessandro Volta cedo demonstrou grande interesse pela física, pela química e, principalmente, pela electricidade e o estudo de fenómenos eléctricos.

A partir dos 18 anos Alessandro Volta começou a corresponder-se com outros dois cientistas, o francês Jean-Antoine Nollet e o italiano Giambatista Beccaria. Antes dos trinta anos Volta já tinha publicado vários pequenos artigos científicos. Dois destes artigos, ambos sobre fenómenos eléctricos, valeram-lhe o ingresso como Professor na Escola Real de Como. Quatro anos depois, em 1778, Alessandro Volta tornou-se professor de filosofia natural (o nome dado à ciência na altura) na Universidade de Pádua, uma das universidades mais antigas do mundo, onde se tornou responsável pela área de física experimental.

O interesse de Alessandro Volta na electricidade levou-o a estudar a investigação feita pelo médico e professor de anatomia italiano Luigi Galvani (1737- 1798) desde a década de 1780. Luigi Galvani realizou várias experiências com pernas de rãs sobre o que chamou “fluido eléctrico animal”. Para este cientista a condução de electricidade exigia sempre o uso de tecido de animais vivos ou mortos (ou seja, de materiais orgânicos). Alessandro Volta não concordava com as conclusões do seu compatriota. Em 1792 confirmou que a passagem de corrente eléctrica podia acontecer em materiais não orgânicos. A explicação dos resultados das experiências de Luigi Galvani valeu a Alessandro Volta a medalha Copley em 1794, a distinção mais antiga conferida pela Royal Society de Londres.

Foi o seu trabalho sobre os estudos de Galvani que levou Alessandro Volta a desenvolver a primeira bateria, a pilha voltaica. Volta fez várias experiências, usado até a sua língua, no estudo do fenómeno descoberto por Galvani. Mas apenas em 1799 apresentou a sua primeira bateria funcional.

A Março de 1800 Alessandro Volta escreveu uma carta a Sir Joseph Banks, na altura presidente da Royal Society, a explicar o funcionamento da pilha voltaica. Em Junho desse ano a carta foi oficialmente apresentada por Sir Banks aos outros membros da Royal Society. A figura em baixo apresenta uma das figuras que acompanhou a carta, representando quatro pilhas voltaicas ligadas em série.Segundo a descrição feita por Alessandro Volta nesta carta:

“Eu continuei a fazer pares de discos de prata e de zinco, sempre na mesma ordem, ou seja o disco de prata por baixo e o disco de zinco por cima ou vice-versa […] e coloquei entre cada um destes pares um disco embebido [em água com sal]. Continuei a formar, com estes pares, uma coluna tão grande quanto possível sem que houvesse o perigo de cair. […] Quando [a pilha] contem cerca de vinte pares de discos é não só capaz de emitir sinais de electricidade […] mas também de dar pequenos choques [quando se toca a pilha com os dedos]”.



Até ao aparecimento da pilha voltaica apenas era possível estudar fenómenos relacionados com a electricidade estática. Mas esta é uma fonte fiável de corrente eléctrica contínua. Vários cientistas europeus aperceberam-se rapidamente da importância deste facto. Entre outros a pilha voltaica foi usada pelo químico sueco Jöns Jacob Berzelius, os britânicos William Nicholson (1753-1815) e Anthony Carlisle (1768-1840) e Michael Faraday (1791-1867) e o físico e químico dinamarquês Hans Christian Ørsted (1777-1851). No entanto foi químico inglês Humphry Davy (1778-1829) que se tornou mais famoso pelo seu recurso à pilha voltaica. 

 Humphry Davy baseou-se no trabalho de Jöns Jacob Berzelius. Em 1803 o químico sueco realizou várias experiências recorrendo à pilha voltaica para separar substâncias químicas em componentes mais simples e de cargas diferentes e verificou que os metais migravam sempre para o pólo negativo da pilha. Davy recorreu a este resultado para tentar isolar metais desconhecidos, na verdade novos elementos químicos. Em 1807 Davy isolou os metais alcalinos potássio e sódio, respectivamente a partir de potassa caustica (hidróxido de sódio, também usado como fertilizante) e de soda caustica (hidróxido de sódio). Em 1808 Davy recorreu novamente à pilha voltaica para isolar dois metais alcalino-terrosos, magnésio e estrôncio, e também o boro.

A invenção da pilha voltaica tornou Alessandro Volta famoso também fora da comunidade científica. Em 1801 Volta fez uma demostração oficinal deste instrumento a Napoleão. Muito impressionado Napoleão tonou Volta um conde e deu-lhe um lugar no senado. Prevendo que a electricidade seria em breve uma área importante da ciência, Napoleão instituiu um prémio de 60 000 francos para a grande descoberta seguinte nesta área da ciência. 



Em 1815, derrotado Napoleão, o Imperador austro Francisco I tornou Alessandro Volta director da Faculdade de Filosofia da Universidade de Pádua (na altura a ciência era chamada filosofia natural e considerada parte da filosofia). Mas Volta não se manteve por muito tempo neste lugar. Em 1818 renunciou ao lugar para se poder dedicar mais à sua família. Alessandro Volta morreu em 1827, na sua casa em Como.